quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Ofensiva militar em Gaza: paz sem voz não é paz, é medo

Por Max Gimenes

Muita gente se pergunta por que há tanto tempo esse povo (entenda-se árabes e israelenses) brigam uns contra os outros. E esse é de fato um questionamento-chave, é o ponto de partida para que seja possível decifrar um conflito de raízes tão antigas e profundas.

Após duas semanas de conflito, que teve início em 27 de dezembro, contabiliza-se oficialmente 784 mortos do lado palestino, em sua grande maioria civis e incluindo na conta mulheres e crianças. Do lado israelense, as baixas somam 13. Sim, cerca de 60 vezes menos. Logo, é importante que chamemos desde o início o litígio de massacre, e não de “guerra”. Parece mais adequado ante a falta de paridade das forças e pelo fato de a incursão militar e os bombardeios serem praticados por apenas um dos lados.

Mas o Hamas não lança foguetes contra Israel? Não são terroristas malvados? Não se aproveitam dos civis inocentes utilizando-os como escudos para se defender dos ataques israelenses? Voltemos às raízes mencionadas no primeiro parágrafo.

É necessário entender o surgimento do Estado de Israel, ainda mais em tempos como o atual, em que jornalistas ignorantes ou mal-intencionados insistem em comparações esdrúxulas. Houve quem tentou usar exemplo com o Brasil no lugar de Israel e também quem pedisse para imaginarmos que Israel fosse a Argentina e Gaza, o Uruguai. Isso seria para facilitar a compreensão. Nada mais falso, as suposições citadas acima e veiculadas por grandes meios de comunicação só nos afastam de uma questão fundamental.

Na época dos regimes nazi-fascistas, houve o Holocausto – matança que deixou cerca de 6 milhões de judeus mortos. Porém, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos aliados, as perseguições cessaram. Nesse cenário, ganhou força o Sionismo, movimento nacionalista judaico que defendia a criação de um Estado que abrigasse os judeus na região próxima de Sion, nos arredores de Jerusalém.

Em 1947, uma resolução da ONU determinou a criação do Estado de Israel na região onde hoje ele está localizado e que à época era ocupado por árabes. A área engloba Jerusalém, considerada santa para judeus e muçulmanos e que passaria à condição de objeto de disputas. A ONU também decidiu pela criação de um Estado Palestino, o que nunca ocorreu e o que nunca pareceu incomodar muito os governantes do Ocidente.

Da mesma forma que é justo pensar que os judeus de Israel já estão fartos com a histórica perseguição que seu povo sofreu, também é absolutamente compreensível que palestinos e árabes em geral tenham oferecido resistência ao reconhecimento do Estado israelense, criado na região por demanda externa (não havia uma movimento de judeus ali reivindicando um Estado) em uma conjuntura que precedeu a famigerada Guerra Fria, na qual Israel funcionaria como aliado importante do EUA. Quem lá vivia anteriormente foi desalojado. Após as ofensivas contra vizinhos, os israelenses ainda aumentaram o tamanho original de seu território, agravando a situação, o que precisa ser revertido para ser possível o início de uma negociação séria.

Para comparar usando a América Latina como exemplo, como querem certos articulistas da grande imprensa, seria mais fácil pensar em índios e portugueses. Que tal? A julgar pela ofensiva de Israel em Gaza, os objetivos se assemelham: subjugar e, na impossibilidade disso, dizimar o outro povo, chamado de “não-civilizado” para atenuar o peso de tantos cadáveres na consciência.

Certo, voltemos então ao Hamas. Esse agrupamento político-religioso ganhou a última eleição palestina. Portanto, trata-se de um governo eleito democraticamente e, como expressão do desejo do povo palestino, deve ser respeitado. As práticas do Hamas, se comparadas às dos governos estadunidense e israelense, tornam-se até angelicais. É mais lógico atribuir o rótulo de terrorista ao Partido Republicano dos EUA ou aos partidos da coalizão que governa Israel, sem dúvida alguma.

É possível paz com lançamento de foguetes pelo Hamas? Não. Mas o que causou essa reação? O controle da fronteira e o bloqueio à entrada de alimentos, remédios e energia em Gaza. Independentemente de qual das duas ações pareça mais assustadora, a segunda resulta em mais mortes e danos. Há relatos de palestinos mortos até de frio. O que evidencia que, ao contrário do que dizem alguns “analistas”, a trégua que vigorava até pouco tempo atrás não foi rompida pelo Hamas unilateralmente, ela já havia sido desrespeitada também por Israel.

Até o momento, escolas e a Universidade Islâmica de Gaza foram bombardeadas, o que é condenável até por leis de guerra. O governo de Israel quer destruir o Hamas, como se o partido laico – e absolutamente corrupto e ineficiente – Fatah fosse a solução. O fracasso dessa força moderada na busca por melhorar a condição palestina é justamente um dos motivos que levaram esse povo a radicalizar. Tentar combatê-los como tem sido feito leva a população civil da Palestina a se solidarizar com seus líderes e a protegê-los. Nada mais natural para um povo que está apostando suas últimas fichas.

E qual tem sido a reação pelo mundo afora? As notícias, apesar da proibição da imprensa em Gaza (atitude suspeita, não?), tem chegado aos quatro cantos do mundo. O presidente hiperativo da França, Nicholas Sarkozy, tentou articular com seu colega, o ditador líbio Muamar Kadafi, uma proposta de cessar-fogo. A dupla parece afinada, mas o projeto não emplacou.

Outro presidente a se destacar foi o impulsivo Hugo Chávez, que expulsou o embaixador de Israel e mais alguns membros da diplomacia israelense em represália à ofensiva sangrenta. Há quem veja exagero na atitude do mandatário venezuelano, mas exagerada é na verdade a passividade com a qual assistem ao massacre certos presidentes. Pressão diplomática como medida contra quase oito centenas de mortes (por enquanto) e contra crimes de guerra? Parece bastante razoável, e Chávez foi o único a fazê-lo, tornando-se sensação entre árabes e pacifistas. Boicote econômico seria outra arma com grande potencial.

Milhares de manifestantes também têm tomado as ruas das principais cidades ao redor do globo, inclusive do Brasil. Israel, com sua ação violenta, corre o rico de reavivar o anti-semitismo mundo afora. Combatem extremistas árabes utilizando como meio o extremismo à sua maneira. A intolerância é, sem dúvida, o principal obstáculo para a paz. Sem reconhecimento da legitimidade do Hamas, é improvável a aceitação por parte deste do Estado de Israel – que é uma realidade e cuja existência não pode ser ignorada.

O fato é que o atual governo de Israel, com o apoio dos EUA, quer enfraquecer os palestinos e torná-los perdedores conformados. Que pensem várias vezes antes de se levantarem contra o Império e seus representantes. Essa é a paz que atualmente busca Israel. Mas a isso se dá outro nome. Paz sem voz não é paz, é medo. E medo os palestinos não têm, irão certamente até o fim com a resistência. Até a última gota de sangue.

Um comentário:

  1. "paz sem voz não é paz, é medo..."

    como já dito...isso não é guerra, é um genocídio!

    nem preciso comentar...
    mais um texto muito bom! Bem escrito e esclarecedor!

    parabéns pelos textos e pelo site =)

    beijos
    Oriana

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