quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Quem paga a conta?

Na última quarta-feira (23), a petição do Movimento Gota D’Água contra a Usina Hidrelétrica de Belo Monte atingiu 1 milhão de assinaturas via internet. O movimento, liderado pelo ator Sérgio Marone e pela jornalista Maria Paula Fernandes, diz ter surgido “da necessidade de transformar indignação em ação, mostrar o bem como um bom negócio e discutir as grandes causas que impactam o nosso país”, e divulgou recentemente um vídeo em que artistas da Rede Globo questionam a construção da UHE.

“De que adianta construir a terceira maior hidrelétrica do mundo se ela só vai produzir de fato um terço da sua capacidade?”, diz o vídeo em que os atores se revezam nas exclamações e indagações que vão desde “ela vai custar quase 30 bilhões”, “e quem é que vai pagar?”, “você!” – neste caso, quem está assistindo -, “quase 80% desse dinheiro é de imposto”, “onde os índios vão morar?”. “Faz as contas. Realiza!”.

As reações ao vídeo foram das mais diversas. O secretário-executivo do ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, conseguiu encontrar algo de positivo na campanha, mas disse que as pessoas deveriam “se informar” mais a respeito da usina. “O projeto da usina foi feito de forma bastante clara, até porque vivemos num regime democrático”, afirmou lembrando que Belo Monte é a hidrelétrica mais discutida do Brasil. O que problema é quando surgem textos “levianos” e “mentirosos”.

Esse é o caso deste vídeo. É louvável o ímpeto que move os artistas a utilizarem seus rostos conhecidos para defender “causas” (assim mesmo, no geral), como diz o Quem Somos do projeto. Mas banalizar debates importantes e passar informações erradas através da linguagem publicitária para manipular as pessoas é especialidade norte-americana. Pega mal no Brasil.

Mesmo se fosse para “fazer o bem”, como o vídeo produzido por Leonardo DiCaprio, estimulando os jovens norte-americanos a irem votar, plagiado por Marone e Fernandes no Gota D’Água. Os dois copiaram a estrutura e a concepção da campanha de DiCaprio. Até a mocinha tirando o sutiã enquanto espera “você assinar a petição”, tem no vídeo norte-americano. A diferença é que a artista do norte não tira a blusa toda como Maitê Proença faz no Gota D’Água. E a campanha de DiCaprio não é anti-nacional, como a dos globais.

Aos fatos

Para começar, a UHE Belo Monte é realmente a terceira maior hidrelétrica do mundo. Mas em capacidade de geração, não em extensão ou área alagada, como sugere o vídeo. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a usina de maior potência no mundo é a de Três Gargantas, na China, com 18.200 MW; a segunda é Itaipu, com 14 mil MW; e a terceira será a de Belo Monte, com 11.233 MW. Mas Belo Monte é umas das menores na relação área alagada/capacidade instalada. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), é inclusive uma das menores do Brasil: “A relação área-capacidade do projeto de Belo Monte é de 0,05 km2/MW, inferior à de outras usinas no Brasil, tais como Serra da Mesa (1,40), Tucuruí (0,29) e Itaipu (1,0). A média nacional é de 0,49 km2/MW instalado” (Projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte: Fatos e Dados, EPE, fevereiro-2011).

A área alagada será na verdade 516 km2, e não 640 km2, como diz Eriberto Leão no vídeo, que é dirigido por Marcos Prado, produtor de Tropa de Elite.

E, por falar em área, nesse quesito o filme utiliza um recurso de edição (para ser bondosa) que insinua a completa destruição do Parque Nacional do Xingu. Em determinado momento, Ingrid Guimarães (que é realmente engraçada) afirma, muito preocupada com as comunidades indígenas que vivem no Pará, que “abaixo da barragem o rio [onde será construída a Usina] banha o Parque Nacional do Xingu”. Em seguida, surge a declaração bem enfática de Eriberto Leão (daquelas pausadas, teatral): “A Usina de Belo Monte vai alagar, inundar, destruir 640 quilômetros quadrados de floresta amazônica”.

Bom, o Parque Nacional do Xingú fica no Mato Grosso e, mesmo que a área da Usina fosse do tamanho que Leão afirmou que seria – e não é -, não chegaria ao Parque Nacional, que fica a 989 km de distância, na nascente do rio. Isso mesmo, quase mil quilômetros ANTES da barragem.

E as tribos da região, não serão expulsas, como insinua Claudia Ohana quando diz que “os índios não vão ter onde morar”. Como bem lembrou a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, na segunda-feira (22), no balanço do Programa de Aceleração do Crescimento 2, em Brasília: “não há nenhum índio ou pessoa da comunidade indígena sendo retirada de suas terras. Não será alagado o Parque Nacional do Xingu”.

Nenhuma das 10 terras indígenas localizadas na área de influência do projeto será alagada. Ainda assim, foram ouvidas, ao contrário do que diz Dira Paes no vídeo. Entre 2007 e 2010, foram realizadas 12 reuniões públicas, 10 oficinas com as comunidades, 15 fóruns técnicos, 30 reuniões em aldeias indígenas, 61 reuniões com as comunidades, e quatro audiências públicas, como informa a EPE.

Capacidade Instalada

Outra questão abordada no vídeo de forma bastante superficial é o potencial firme da usina. “De que adianta construir a terceira maior hidrelétrica do mundo se ela só vai produzir de fato um terço da sua capacidade?”, diz o próprio Marone na peça. Em verdade, a geração média de energia da usina é de cerca de 40% da sua capacidade total, o que é, segundo a EPE, “comparável à geração média das hidrelétricas europeias”, e não tem nenhuma sendo desativada. Belo Monte vai produzir 4,5 mil MW/médios durante o ano. Mas, o mais importante é que, estando com 70% de sua energia ligada ao Sistema Interligado Nacional (SIN), irá trabalhar em capacidade plena (11 mil MW) no período de seca no Sudeste, quando atualmente recorre-se a fontes termelétricas, mais caras para o consumidor.

O vídeo sustenta ainda que a Hidrelétrica vai custar R$ 30 bilhões (“Quase 80% desse dinheiro é de imposto”, diz) , mas o custo total da obra, avaliado pela EPE para empreender a licitação é de R$ 19 bilhões. Sendo que 80% financiado (emprestado) pelo BNDES, com recursos principalmente do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), não de impostos. O que é o uso para o qual foi idealizado o Banco: desenvolvimento. E, ainda, qualquer aumento no custo é de responsabilidade dos empreendedores, no caso, o Consórcio Norte Energia, que está construindo a Usina.

Na outra ponta, a do bolso do consumidor, a energia de Belo Monte será uma energia barata. Quando pronta, a energia fornecida pela Usina será vendida a R$ 77,97 o MW/h, um valor muito menor do que qualquer uma das alternativas oferecidas pelos artistas globais. A energia eólica é vendida ao SIN por R$ 148,00 o MW/h, e a solar a R$ 500,00. Aliás, vale ainda uma outra comparação com a energia eólica que, apesar de ser importante para a diversificação e segurança do sistema energético brasileiro, também ocupa uma grande área de instalação. Pelos cálculos do blog O Escriba, “para ter o mesmo potencial energético de Belo Monte, seria necessário instalar mais de 6 mil aerogeradores, de 3MW cada, ocupando uma área de 470 km2 - ou quase o tamanho do lago de Belo Monte”.

Se a intenção era fazer o bem, se é que era, é melhor perguntar o que pensam os 19 mil ribeirinhos que moram em palafitas em Altamira e em outras áreas de influência da Usina que, segundo o plano aprovado pelo Ibama, serão realocados em bairros urbanizados, com saneamento e luz elétrica, escola e posto de saúde. Talvez devessem os atores pensar mais em cobrar a aplicação deste plano do que em abolí-lo.

Já sobre a cena em que a Maité tira a blusa no comercial, deve ser só para chamar atenção dos globais mais novos. Quem assistiu Dona Beija viu aquilo e muito mais. Nem no vídeo do DiCaprio a moça que tira o sutiã chegou a tanto…

Agora, quem é que vai pagar a conta de luz na estratosfera, ou pior, a falta de luz?