Entrevista a Max Gimenes
Confira abaixo a parte final da entrevista concedida por e-mail pelo ex-coordenador do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, Raimundo Ferreira de Vasconcelos e Vasconcelos, afastado da instituição no fim do ano passado em um processo, digamos, nada transparente.
Nesta segunda parte, Raimundo nos diz quais são as suas expectativas para os estudantes de RI em uma conjuntura de crise global e em meio à eleição de Barack Obama para a presidência dos EUA. E assegura: “em melhores mãos [o curso de RI da BA] não poderia estar”, afirmação esta que tem se mostrado verdadeira e assim desejamos que continue.
Ele conta também, é claro, a sua versão sobre o que o levou a ser demitido, fato que até hoje desperta a curiosidade de inúmeros alunos e que é alvo de muitos boatos. A instituição à época alegara o abono de faltas, o que não engana a ninguém por mais ingênuo que seja.
O Diplomático entrou em contato com a Supervisão Acadêmica e a resposta dela você pode ler ao fim da entrevista.
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O Diplomático – A Supervisão Acadêmica alegou à época o abono de faltas como motivo de sua demissão, o que nos parece uma desculpa no mínimo insuficiente. O que verdadeiramente o levou a ser demitido?
Raimundo – Oficialmente, alegaram o abono de faltas que todos já sabem, e que sequer chegou a se confirmar; alegaram ainda que contribuí para a não realização da matrícula de uma aluna que vinha transferida de outra IES. Neste último caso, a confusão é enorme. Creio que a referida aluna ainda esteja na IES; trata-se da Camila Aquino, do turno matutino (atual AM8RI), a qual deixou de se matricular na DP de Sociologia porque perdera o prazo de inscrição. Tentei ajudá-la até onde me cabia, mas a Secretaria-Geral atrapalhou-se e ainda colocou toda a culpa sobre mim. A aluna deixou de se inscrever no prazo regulamentar e foi passar as férias de fim de ano com os pais numa cidade do interior.
Ao retornar no semestre seguinte, falou comigo sobre a possibilidade de ainda realizar a referida inscrição. Assim, eu contatei a secretária-geral, a qual me informara, via telefone, não ser possível; perguntei-lhe se a reitoria autorizaria e, como resposta, ela acreditava que não, mas mesmo assim resolvi tentar, encaminhando um e-mail. Fiquei sempre cobrando um retorno e nada, enquanto a Camila também me cobrava. Para minha surpresa, na última cobrança que fiz à secretaria-geral, e já havia se passado bem umas 3 semanas, obtive a resposta de que a reitoria havia concedido um novo prazo para inscrição, mas que já havia se encerrado, pois durara menos de uma semana. Indaguei por e-mail à secretária-geral o porquê da Camila não ter sido avisada do novo prazo e mais uma surpresa me veio com a resposta: ela (secretária-geral) havia encaminhado o comunicado via e-mail e segundo a própria, uns 200 alunos haviam conseguido se inscrever (exceto a Camila). Indaguei porque eu, enquanto coordenador, não havia sido avisado do novo prazo e eis a resposta no e-mail: “esse assunto não lhe diz respeito, mas tão-somente à secretaria e aos alunos”. Ora, eu não era alheio ao tema, mas, com efeito, matrícula é atribuição sim da secretaria. Como o próprio juiz trabalhista reconheceu: se eu não tinha poderes para abonar faltas, como o teria para concretizar matrículas? Alegaram até que eu permiti que a senhora Mãe da Camila ouvisse, de viva voz, um diálogo telefônico entre mim e a secretária-geral, o que também não é verdade, visto que não dispunha de viva-voz em minha residência, quando atendi ao telefonema da secretaria. Enfim, a Camila conhece toda a história e poderá confirmá-la.
Afora isso, restam-me conjecturas e especulações, tentando também entender o que de fato motivou minha demissão e por justa causa. Sei que não era o coordenador da preferência de meu imediato superior hierárquico, o qual me encarava mais como um concorrente do que como subordinado que de fato eu era; jamais atendeu a meus telefonemas com a desculpa de estar ora em reunião, ora ausente do local de trabalho; uma simples quebra do sigilo telefônico comprovará isso.
Demissão consumada, tentei também falar via telefone com o reitor que também não me atendeu; e nisso há mais uma surpresa para mim, pois várias vezes o ouvi autodenominar-se transparente e democrático.
Por sua vez, os demais coordenadores não demonstravam simpatia pelo curso de RI, muito pelo contrário. Para citar apenas um episódio, lembro-me bem da matéria sobre o referido curso inserida no Jornal Belas Artes, segunda edição, a qual foi motivo de chiliques por parte de dois dos demais coordenadores, sentindo-se diminuídos e/ou ofuscados pela mesma, embora não o afirmassem com todas as letras. Tais relatos servem apenas para ilustrar o ambiente hostil com o qual me deparava.
Tal hostilidade era extensiva até mesmo a funcionários que resolvessem cursar RI; foi o caso do Evandro Almeida que, em dado ano, deixou de ganhar o prêmio como melhor funcionário-bolsista e o fato de cursar RI não foi mera coincidência. Até ocorrer a minha demissão, ele também estava jogado na IES, sem chefia, sem função definida, praticamente restrito a recolher lixo no departamento de manutenção. Eis o preço por ele a pagar por ter cursado RI. Até tentei ajudá-lo, mas não houve tempo hábil para tanto.
Enfim, quem sabe um dia saibamos os reais e verdadeiros motivos dessa, ao menos para mim, surpreendente demissão, ainda mais por justa causa. Só sei que, como nas demais organizações, prego que se destaca leva porrada, vitimado pela incapacidade, inveja, arrogância e outros sentimentos e atitudes menos edificantes.
O Diplomático – O senhor se arrepende de alguma coisa que fez durante o tempo em que foi coordenador do curso de RI na Belas Artes? O que mudaria se pudesse voltar no tempo?
Não me arrependo de nada, em absoluto. Faria tudo exatamente do mesmo modo que fiz. Nem mesmo me arrependo de ter passado pela Belas Artes, ao contrário, regozijo-me pelas realizações que ousei empreender; tivesse eu uma carga horária maior, teria feito ainda mais.
Para se ter uma idéia, ingressei com carga horária de 16h só na coordenação e, no primeiro semestre de 2006, ela foi reduzida para 9h, passando então a elevar-se gradativa e semestralmente conforme o número de alunos no Curso (a IES alega que tal redução ocorrera de comum acordo, o que chega a ser hilário, o empregador propor redução de salário e o empregado falar que está de pleno acordo). Não obstante a reduzida carga horária, ainda consegui elaborar e propor acordos de cooperação internacional na área acadêmica; atitude essa pioneira para a Belas Artes, primeiro com IES do Canadá, seguida por outra na cidade do Porto (Portugal). O terceiro acordo desse tipo deu bem mais trabalho, negociado com uma IES da Argentina. Após chegar ao consenso com a instituição platina, encaminhei cópia do contrato – em espanhol – à supervisão acadêmica para ser apreciado e assinado. O fato é que o acordo enviado acabou emperrando no departamento criado por aquela supervisão (sua encarregada detinha 15h de carga horária só para cuidar do departamento), sob alegação de que deveria se estender a todo o centro universitário. Mera desculpa, pois os acordos por mim negociados eram extensivos a todos os cursos e, na realidade, a dificuldade residia mesmo no fato de que tal encarregada do recém-criado departamento de curadoria/parcerias não conseguia ler em espanhol. Perdeu-se assim a terceira e última parceria internacional por mim negociada para o(s) curso(s).
O Diplomático – A lógica de mercado, caracterizada por objetivar principalmente o lucro e de acordo com a qual o cliente tem sempre razão, atrapalha a autonomia dos professores e a promoção de uma educação de qualidade?
Raimundo – Lamentavelmente, há uma forte pressão para transformar o ensino privado em mercadoria e o alunado em cliente, o que acaba por interferir na relação docente/discente. O problema não reside no lucro em si, o qual não sempre impede o ensino de qualidade, haja vista excelentes IES de caráter privado: ESPM, FGV, Ibmec etc. Não obstante, há limites nessa autonomia, visto que deve existir um maior compromisso docente com uma boa proposta pedagógica, com as diretrizes educacionais e institucionais, e com o próprio alunado, procurando fornecer-lhe os ensinamentos e instrumentos para atuação no mercado de trabalho e em seu viver, ou seja, esforçar-se para formar um cidadão e não apenas um trabalhador. Em resumo, o ensino com qualidade embasa-se no seguinte tripé: bom projeto pedagógico, excelente quadro docente e uma boa infra-estrutura, com destaque para a biblioteca, sem esquecer ainda da profissionalização na gestão educacional, devendo ser ainda transparente e democrática de fato.
O Diplomático – Quais perspectivas tem hoje o curso de RI? Como a crise financeira global e a eleição de Barack Obama podem influenciar nesse sentido?
Raimundo – Comecemos aqui pelo final. Podemos dizer que o mundo escolheu o Obama e no meu entender foi a melhor escolha; ocorre que ele se elegeu para governar os EUA, ou seja, defenderá sua política externa e internacional. Por conta disso, muitas expectativas serão frustradas, pois não devemos esperar, por exemplo, os EUA menos protecionistas ou tão mais multilateralistas quanto gostaríamos, mas por certo menos belicosos e talvez mais flexíveis enquanto negociadores, ao menos enquanto estiverem fragilizados pela crise atual que, diga-se de passagem, é passageira, após o que o império do norte ressurgirá com mais força, pois ainda é de longe a maior economia do mundo. Já se disse com propriedade e a história já nos confirmou que todo império perecerá e com os ianques não será diferente, mas ainda demorará para que tal aconteça; não disponho de competência para tamanha estimativa de prazo. O fato é que seus rivais mais próximos, União Européia e China ainda não reúnem condições de substituí-los na cena mundial. O sistema monetário e financeiro internacional clama por reformulações regulamentatórias, assim como o papel das instituições de Bretton Woods também carecem de atualização, principalmente o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, já que a Organização Mundial do Comércio (OMC) possui diálogo mais próximo da realidade, embora não esteja de todo regulamentada. Nesse sentido, visualizo relevante papel para os cursos de RI, os quais têm muito a contribuir para fomentar o reordenamento de um mundo mais estável, mais pacífico, mais democrático e mais harmonioso, embora não se elimine de todo os conflitos, sejam eles de interesse, sejam de concepção. E isto mantém a importância dos cursos de RI, na medida em que esses conflitos estão para a atuação do internacionalista assim como a escassez está para a atuação do economista, ou seja, o mundo jamais prescindirá desses dois profissionais com escopo e visão suficientes para entender, descrever, explicar e por vezes até antecipar sua dinâmica e funcionamento.
O Diplomático – O senhor conhece bem o atual coordenador de RI da Belas Artes, Sidney Ferreira Leite. Diria que o curso está em boas mãos?
Raimundo – Sentia-me orgulhoso do quadro docente de RI altamente qualificado, seja pela titulação, seja pela experiência acumulada. Impossível listar a todos neste breve espaço e, assim, sublinho apenas uma magnífica contratação realizada no terceiro semestre e em dose dupla: reforçavam o curso os professores Nilson Araújo e Luisa Moura; além de respeitáveis profissionais e caráter exemplar, possuem ainda o perfil de “gente fina, elegante e sincera”. E do mesmo naipe adveio o professor Sidney Leite, além de excelente profissional e grande figura humana, é do tipo a quem se pode confiar um cheque em branco. Em melhores mãos o Curso não poderia estar.
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O outro lado
Como devem fazer todos aqueles que prezam pela democracia, pela tolerância e que perseguem incansavelmente a justiça, O Diplomático foi atrás do outro lado, da versão da instituição para saber o que ela tinha a dizer a respeito do episódio da demissão do professor Raimundo.
Para tanto, encaminhamos um e-mail com duas perguntinhas bastante objetivas (também feitas ao Raimundo) ao supervisor acadêmico da BA, o professor Alexandre Estolano: 1. “O que efetivamente levou à demissão do professor Raimundo?” e 2. “A lógica de mercado, caracterizada por objetivar principalmente o lucro e de acordo com a qual o cliente tem sempre razão, atrapalha a autonomia dos professores e a promoção de uma educação de qualidade?”
Ele respondeu ao e-mail, mas dirigindo-se ao aluno Max, e não ao CA, do qual afirmou desconhecer a existência.
Quanto ao primeiro questionamento, Alexandre Estolano afirmou “que a decisão de afastamento do professor é de autonomia da direção da entidade mantenedora, nos termos de seu estatuto e da constituição federal, que garante autonomia administrativa à Instituição de Ensino Superior”. E prossegue: “nunca ví [sic] entre as atribuições de um CA ou DA a apuração de atos que só dizem respeito a administração [sic] da instituição”.
Ora, é claro que a demissão do coordenador de um curso é do interesse dos alunos desse curso. Se o dever de um CA é representar os alunos, então também é sua obrigação descobrir as motivações do desligamento, ainda mais quando este é levado a cabo de modo obscuro. Se o professor Estolano nunca viu um CA apurar casos como esse, é porque nunca conheceu um de verdade, talvez seja a primeira vez. A BA deve, sim, satisfações. Se não ao CA, ao menos à justiça, e o processo por lá está em andamento.
Em relação à última questão, o supervisor acadêmico diz que “demandaria uma longa análise e não uma abordagem simplista como a apresentada na questão”. É uma maneira grosseira de fugir da pergunta, mas não chega a surpreender. Diz ele, no entanto, que uma resposta preliminar seria “não”, por mais incrível que possa parecer.
A resposta preliminar e definitiva seria “sim” e quem nos mostra isso é a própria BA, atualmente com algumas salas cheias em que os alunos não conseguem aprender e nas quais o professor se estressa e mal consegue ensinar. Turmas fechadas no período da manhã e alunos desse turno empurrados para aulas à noite, geralmente muito cheias. O que leva a isso senão a busca pelo lucro? Será mesmo que ela não atrapalha em nada?
Sem contar a forma como alguns docentes são pressionados por alunos que, por pagarem, acham que têm sempre razão e, portanto, devem ter suas vontades satisfeitas.
Seria interessante ver onde ficaria a autonomia do professor caso o coitado ousasse de alguma forma contrariar a supervisão acadêmica e sua visão oblíqua de educação. Nunca ficaríamos sabendo, afinal o supervisor acadêmico se esconde por atrás do véu da “autonomia administrativa” para tomar atitudes que podem tranqüilamente ser consideradas arbitrárias.
Parabéns pela coragem de vcs, a entrevista com o Raimundo é bem esclarecedora.
ResponderExcluirContinuem assim, desafiando os "os podres poderes"
Parabéns,
ResponderExcluirsou internacionalista, formado pela Belas Artes em dezembro de 2007 e aprecio o trabalho feito por vocês. Já fui vitíma da burocracia Febaspiana e tenho saudades, apenas, dos colegas e professores que lá tive e que agora são meus amigos.
Continuem o bom trabalho.
Saudações internacionalistas,
Joao Costa
Marcelo e João Costa, obrigado.
ResponderExcluirCertamente continuaremos desafiando os podres poderes, afinal somos acima de tudo cidadãos em busca de justiça.
Em breve teremos uma entrevista com outro professor recentemente demitido. Não só por isso, o cara é realmente muito bom.
Saudações internacionalistas,
Max
Caros meu nome é Amanda sou da 1ª Turma do curso de RI. Inclusive a criação do CA foi fomentada na minha turma da qual me orgulho imensamente. Hoje vejo que os debates daquela época para a criação de um CA não foram ignorados, fico muito feliz por isso.
ResponderExcluirQuanto a "buracracia febaspiana" atingiu diretamente diversos alunos no que pude acompanhar no decorrer do meu curso e de minha empreitada para obtenção do diploma. Eu fui uma das prejudicadas.
A contituição da FEBASP Jr. e seu espaço foi consequencia de muita insistencia por nós alunos e trabalho, dedicação por parte também do Prof. Raimundo.
Quero aqui parabeniza-los por esse espaço, por continuarem na empreitada.
O curso de RI da Belas Artes certamente está entre os melhores do país.
Saudações internacionalistas a todos!