segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Editorial - Antes tarde do que nunca


Olá para todos!!!

Antes de mais nada, como foi anunciado na edição anterior do nosso ODiplomático, a partir deste número, estou como editora.

Para quem ainda não me conhece, sou aluna agora do sexto semestre matutino, curiosa com esse mundo grande e cheia de opinião sobre as coisas – nem sempre certas, mas normalmente ditas. Minha principal característica para os efeitos desta função é que o que me enche de vida é ver e ouvir o que os outros têm a dizer. Por isso, aguardo com a maior ansiedade a contribuição de todos os colegas para que o nosso blog seja cada edição ainda melhor.

Feitas as apresentações, passamos agora para esta edição. Estamos um pouco atrasados, mas vocês vão ver que vai ter valido a pena esperar.

Para começar, preparamos uma Agenda bastante interessante que vai desde oferta de estágios e chamadas de pesquisa para graduandos, a feiras, seminários e encontros ligados à área de Relações Internacionais e Comércio Exterior.

Logo em seguida, temos uma entrevista que nosso querido amigo Max Gimenes fez com a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli. Na entrevista, que foi publicada pela revista Caros Amigos (parabéns, Max!), Maria Lucia destaca a importância de as dívidas dos países latino-americanos sejam revisadas já que, nas suas palavras “o endividamento tem sido um mecanismo contínuo, utilizado para sugar nossas riquezas e travar o desenvolvimento do nosso continente”. Quem não se lembra das aulas sobre o estouro da dívida brasileira na década de 80?

A partir daí, temos três artigos. Um do Márcio Moraes (que dispensa apresentações) sobre o 51º Congresso da União Nacional de Estudantes (Conune), que contou com a participação de 4 delegados da Belas Artes e um observador – estão todos convidados a deixar suas impressões sobre o Conune aqui neste blog.

O segundo, também do Max, sobre as nacionalizações do governo bolivariano na Venezuela. E o terceiro, de minha autoria, sobre a tentativa dos países do chamado Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) de reduzir a dependência que suas reservas têm em relação ao dólar.
Temos ainda duas resenhas esta edição. Uma do professor Igor Fuser, que nos deixou na Belas Artes, mas continua escrevendo muito, sobre o livro A Revolução Venezuelana, de Gilberto Maringoni.

O outro, de um colega da USP, sobre o Amor nos tempos atuais. O Mauro resenha o livro Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman, e relaciona a superficialidade da vida hoje e sua influência nos relacionamentos pessoais.

Finalizando, nesta edição, ao invés de publicarmos uma charge, como de costume, disponibilizaremos um vídeo. Em tempos de gripe A, não custa nada lembrar que toda campanha internacional tem um interesse por trás.

Agora, passo a falar sobre a Enquete. Na última edição, 41% dos votantes apoiaram a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio político ao ex-militante da esquerda armada italiana Cesare Battisti; 29% discordou; 25% concordou em partes e 4% discordou em partes. O caso ainda está para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Nesta edição temos uma polêmica que deveria estar em todas as esquinas da sociedade brasileira, especialmente nas universidades e mais especialmente ainda nos círculos que discutem Relações Internacionais. O destino da imensa riqueza encontrada pela Petrobrás na camada abaixo do sal, o pré-sal. Como deve ser explorada, qual a melhor forma de extrair o petróleo e o gás de maneira que esteja a serviço do desenvolvimento do nosso país, quem deve fazer essa extração, o que e como fazer com o petróleo e, não menos importante, essa decisão deve ser tomada urgentemente ou é melhor ter mais elementos, mais pesquisas, para formar melhor uma opinião a respeito? Estas são algumas das perguntas que estão sendo feitas e respondidas, cada um de acordo com seus interesses.

Vocês estão acompanhando este processo? Esta é a pergunta da enquete.

Para quem estiver interessado em saber mais sobre o assunto, enviaremos a apresentação em PowerPoint do engenheiro e presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, Fernando Siqueira, que esteve na nossa faculdade no final do semestre passado falando sobre o pré-sal.

Até a próxima!

Agende-se


UNIFEM: ONU e escola argentina dão 20 bolsas a jovens

Até 19/08, brasileiros de 18 a 30 anos podem se candidatar, pela internet, ao auxílio de US$ 2 mil, que incentivará pesquisas sobre temas sociais e de gênero.
Formulário disponível no site: www.catunescomujer.org/catunesco_mujer/form_inscripcion.php


2º Colóquio Internacional História das Religiões
Link: http://www.agencia.fapesp.br/materia/10872/agenda/2-coloquio-internacional-historia-das-religioes-teoria-e-metodologia.htm
27 e 28 de agosto na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Mais informações: historiadasreligioes@yahoo.com.br ou (11) 3670-8529.

Microsoft Research oferece bolsas e estágios
Link: http://www.agencia.fapesp.br/materia/10918/microsoft-research-oferece-bolsas-e-estagios.htm
Programas 2009-2010 de Estágios e de Bolsa de Estudos para Doutorado para estudantes latino-americanos abre inscrições no dia 17 de agosto.
Mais informações:
http://research.microsoft.com/en-us/collaboration/global/latam/latam-awards.aspx

Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais
Link: http://www.agencia.fapesp.br/materia/10907/simposio-de-pos-graduacao-em-relacoes-internacionais.htm
O simpósio será realizado de 12 a 14 de novembro, em São Paulo.
O Programa San Tiago Dantas de Mestrado Acadêmico em Relações Internacionais recebe até 17 de agosto propostas de trabalho para apresentação na primeira edição do Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais.
Mais informações: www.unesp.br/santiagodantassp

Agenda Centro Brasileiro de Relações Internacionais – CEBRI
* Atenção, a maioria dos eventos acontece no Rio de Janeiro onde se encontra a sede da instituição.

18/08/2009 Mesa-redonda: Colômbia, Honduras e Venezuela

21/08/2009 Seminário Jornalistas: União Européia e Mercosul

27/08/2009 Almoço: Embaixador Uwe Kaestner

Calendário Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp

10/09/2009 Encontro Empresarial Brasil-Dinamarca - Meio Ambiente

10 a 12/09/2009 Rodada de Negócios na Adventure Sports Fair

22/09/2009 Encontro Empresarial São Paulo-Miami

Feiras

XIV Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro
10/09/2009 a 20/09/2009 no Pavilhão de Exposições do Rio Centro. Aberta ao público das 10 às 22 horas

CARBONO ZERO – Feira e Conferência
06/10/2009 a 08/10/2009 no Centro de Exposições Imigrantes

FEIRA DE ENERGIAS - III Feira Internacional de Energias Alternativas
04/11/2009 a 06/11/2009 no Centro de Exposições Imigrantes

FIAM - 4ª Feira Internacional da Amazônia
25/11/2009 a 28/11/2009 no EXPO CENTER

Bate-papo - Max entrevista


Dívida pública faz a farra dos especuladores


A Auditoria Cidadã mostra como funcionam os mecanismos que colocaram o Brasil e outros países da América Latina reféns do capital financeiro

Por Max Gimenes

Em entrevista exclusiva (*), a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, conta como foi sua participação, a convite do presidente Rafael Correa, na comissão oficial de auditoria da dívida do Equador, em 2008. Presidentes de outros países, como Bolívia, Venezuela e Paraguai, demonstram a intenção de seguir o exemplo equatoriano. Para Maria Lucia, é preciso que o Brasil cumpra a Constituição Federal, que prevê a auditoria, para que a sociedade pare de pagar a conta à custa da privação de direitos sociais elementares, conta esta que a atual crise tende a tornar ainda mais cara.

Max Gimenes - Como se sentiu ao participar da auditoria da dívida do Equador, enquanto o Brasil continua a pagar, todos os anos, milhões de reais como juros de sua dívida?

Maria Lucia Fattorelli - A realização da auditoria oficial da dívida pública equatoriana foi um dos principais fatos políticos da história da América Latina, pois significa um importante passo no sentido de nossa verdadeira independência e retomada de nossa soberania. Sem dúvida foi uma imensa honra ter sido designada pelo presidente Rafael Correa Delgado para a comissão da Auditoria da Dívida Equatoriana (CAIC), para realizar a auditoria integral de sua dívida pública interna e externa, visando à busca da verdade sobre o endividamento público. Esse trabalho representou um desafio imenso, pois o decreto presidencial determinou a realização de uma auditoria dos últimos 30 anos do processo de endividamento, envolvendo a investigação de aspectos financeiros, contábeis, jurídicos e também seus impactos sociais e ambientais. Considerando que teríamos apenas um ano para realizar essa tarefa, a comissão foi subdividida em subcomissões que se dedicaram especificamente a cada tipo de endividamento: multilateral (dívida externa contratada com FMI, Banco Mundial, Corporación Andina de Fomento e outros organismos multilaterais); bilateral (dívida entre o Equador e outros países ou bancos públicos de outros países); comercial (dívida contratada com bancos privados internacionais) e interna.

Max Gimenes - O que foi apontado pela auditoria?

Maria Lucia Fattorelli - O resultado de todas as subcomissões apontou impressionantes ilegalidades e ilegitimidades verificadas em processos que sempre beneficiaram o setor financeiro privado, as grandes corporações e empresas privadas, em detrimento do Estado equatoriano e de seu povo, carente de tantos serviços públicos e de condições de vida digna, apesar das riquezas nacionais, como o petróleo. A sangria provocada pela dívida não permitiu que esses recursos servissem ao povo equatoriano. Uma das constatações mais importantes da comissão foi a incrível semelhança do processo de endividamento equatoriano com o brasileiro e o dos demais países latino-americanos. No caso da dívida externa comercial - com bancos privados internacionais de cuja investigação participei, a dívida atual representada por títulos Bonos Global é resultado do endividamento agressivo iniciado no final da década de 1970, durante a ditadura militar, majorado pela influência da elevação unilateral das taxas de juros pelo Federal Reserve a partir de 1979, por onerosas renegociações ocorridas na década de 1980, quando o Estado equatoriano assumiu inclusive dívidas privadas; seguido de renúncia à prescrição dessa dívida em 1992 e sua transformação em títulos negociáveis, denominados Bonos Brady em 1995, emissões de Eurobonos e nova transformação em Bonos Global em 2000. A dívida externa comercial equatoriana atual é fruto de sucessivas conversões equivocadas de uma mesma dívida que foi crescendo em função da alta de juros internacionais, assunção de dívidas pelo Estado, por seu valor nominal integral, inclusive dívidas privadas, processo que no Equador se denominou “Sucretización”.

Max Gimenes - Qual a relação com a dívida brasileira?

Maria Lucia Fattorelli - O endividamento externo comercial do Brasil seguiu passos idênticos, verificando-se a coincidência de datas, nomes dos convênios e dos títulos da dívida, termos e condições estabelecidas nos diversos contratos, além de interferência expressa do FMI; enfim, quando analisava os documentos do endividamento equatoriano parecia que estava lendo os mesmos documentos aos quais já tivemos acesso no Brasil durante os trabalhos da Auditoria Cidadã da Dívida. Diante de tantas semelhanças, o ideal é que os demais países também realizem auditoria de suas dívidas públicas, pois o endividamento tem sido um mecanismo contínuo, utilizado para sugar nossas riquezas e travar o desenvolvimento do nosso continente. Várias iniciativas estão se conformando a partir do primeiro passo dado pelo presidente Rafael Correa: o Paraguai já está realizando uma investigação oficial sobre sua dívida externa, e na última reunião da ALBA (Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América), em novembro de 2008, Venezuela e Bolívia também anunciaram a intenção de fazer a auditoria integral de suas dívidas. O Brasil poderia estar em outro patamar de justiça social e desenvolvimento econômico se a auditoria da dívida prevista na Constituição Federal de 1988 tivesse sido realizada. É uma lástima que nenhum dos governos, nesses vinte anos, tenha respeitado esse preceito fundamental.

Max Gimenes - O que é e como funciona na prática a auditoria de uma dívida?

Maria Lucia Fattorelli - Auditoria da dívida, em resumo, significa a investigação de todos os processos de contratação, renegociação, troca e rolagem de dívida pública – interna ou externa. A auditoria se dá com base na análise de documentos oficiais (contratos, títulos e correspondências oficiais, por exemplo) e registros existentes em livros de escrituração contábil, além de dados estatísticos e outras publicações existentes. A auditoria da dívida envolve também a análise de cifras (valores contratados/pagos; comparações entre o valor renegociado e o valor de mercado, comissões diversas, taxas de juros), estudo e análise da legislação de regência e outras questões jurídicas aplicáveis e, adicionalmente, visa à identificação dos participantes nos diversos processos relevantes.

* A entrevista completa foi publicada pela revista Caros Amigos, edição de julho de 2009.

Artigo - Conune


Sobre o Congresso da UNE e a hipocrisia da mídia

Por Márcio Moraes*

Entre os dias 15 e 19 de julho foi realizado o 51º Congresso da União Nacional dos Estudantes ao todo mais de 3.000 delegados (4 destes, eram da Belas Artes) de todos os cantos do país se credenciaram e tiveram direito a voz e voto neste Congresso. Como na maioria dos fóruns do movimento estudantil a organização não foi o forte o que prejudicou a participação dos estudantes nos 25 grupos de discussão. Além dos temas tradicionais do movimento de educação e estudantil (Reforma Universitária, regulamentação do ensino privado, universalização do ensino superior público de qualidade, cotas, ENADE) muitos debates das mesas de discussão versavam sobre temas candentes das relações internacionais como a crise econômica, financeira e ambiental, o golpe de estado em Honduras, integração latino americana, reintegração de Cuba a OEA e o fim do embargo a ilha caribenha.

Entretanto o grande destaque do Congresso girou em torno da campanha “O Pré Sal é nosso!” (que preconiza um novo marco regulatório para o setor, sobre controle estatal e defendendo que parte dos recursos advindos da exploração das novas reservas, sejam aplicados diretamente na educação) e a polêmica em torno do Patrocínio de R$ 100 mil da PETROBRÁS ao evento, os grandes meios de comunicação se apressaram em denunciar a capitulação da UNE frente ao governo federal -, observando que está é “chapa branca” ou governista como preferem as organizações mais á esquerda que são opositoras da direção majoritária da entidade – já que esse patrocínio expressaria a falta de independência da UNE. Nada mais hipócrita do que esse estardalhaço da grande mídia corporativa, é notório que todo ano essas empresas recebem milhões de reais dos Governo Federal, Estaduais e Municipais com a venda de espaços publicitários em suas TVs, rádios e revistas, em nenhum momento esses mesmos órgãos questionam, se as polpudas verbas publicitárias recebidas dos entes governamentais estariam por lhe tirar a famosa “independência” editorial em relação ao poder estatal, fica a impressão que até mesmo de forma messiânica o jornalismo brasileiro se auto-denomina à prova de influencias externas, seja de governos ou de lobbies empresariais, contudo esse discurso da independência como já foi dito nesse espaço de informação serve a certos interesses e construções ideológicas.

Não contente, a mídia, em diversas matérias, alerta para a mudança de postura da UNE, pois a entidade teria deixado de ser combativa, para ter uma abordagem passiva. Não é preciso ter muita memória para apontar a esquizofrenia do discurso das oligarquias que controlam os meios de comunicação do Brasil.

Aponta o passado combativo da UNE como exemplo, porém, esse padrão de comportamento nunca foi apoiado pelos grandes oligopólios da comunicação brasileira, pelo contrario estes dois entes da sociedade civil brasileira sempre estiveram em lados opostos. Lembrando um passado recente posso dizer que a mídia apoiou a “ditaduríssima” brasileira (não é, Folha de São Paulo?), a UNE combateu; a mídia escondeu a campanha das “Diretas Já”, a UNE foi pra rua pedir eleições democráticas para presidente do país; a mídia elegeu Fernando Collor, os estudantes pediram seu impeachment.

A UNE tem defeitos e eles são diversos, mas coadunar com o discurso hipócrita da mídia é servir aos interesses de quem sempre esteve contra o projeto de democratização do país. Recentemente a UNE se posicionou contra a medida do governo federal que prevê financiamento por parte do BNDES a instituições de ensino superior em dificuldades financeiras, curiosamente os meios de comunicação não ecoaram a posição de desacordo da UNE, por que será?



* Graduando do 8º semestre do Curso de Relações Internacionais Belas Artes

Artigo - Venezuela


Chávez e o significado de sua “macarronada bolivariana”


Max Gimenes *

O ano de 2009 começou de modo atípico. Com o estouro da bolha imobiliária estadunidense no segundo semestre de 2008, deflagrou-se a crise financeira, que mais tarde atingiria também a economia real, sendo considerada a mais grave desde a que eclodiu em 1929. Todos os países, sem exceção, estão sujeitos a pagar caro durante pelo menos este ano e o próximo pela irresponsabilidade da desregulamentação e especulação financeiras. Presidentes buscam combater a crise, implementando medidas de seu ideário, para ao menos atenuar os efeitos dela junto a suas bases de sustentação política.

Na Venezuela, não seria diferente. Não é de hoje que Hugo Chávez afirma estar construindo em seu país o que chama de “socialismo do século XXI”. A oposição, venezuelana ou não, nunca levou esse projeto muito a sério, acreditando na tese de que o atual período não passaria de uma aventura e que o país logo voltaria à normalidade. Ou seja, ao bom e velho neoliberalismo. A crise, no entanto, abalou tal vertente há muito dominante, a do famigerado “pensamento único”. E, sem querer, abriu novas perspectivas para a esquerda em todo o mundo, a despeito do despreparo que esta tem demonstrado até o presente momento para aproveitar essas oportunidades.

Hugo Chávez, no entanto, foi perspicaz e começou o ano dando prosseguimento a uma agenda nacionalizante na Venezuela. O episódio mais recente foi a ocupação e o anúncio da expropriação da multinacional estadunidense produtora de macarrão Cargill, acusada de descumprir a cota de produção com preço tabelado. Os “especialistas” consultados, liberais nada moderados em sua maioria, atacaram a política chavista de aumento da presença estatal na economia. Eles ainda são do tempo em que a orientação usual apontava para o enxugamento do papel do Estado e para a liberdade total ao setor privado. Deu no que deu, mas a mídia canarinho pouco aprendeu.

O tabelamento de preços existe na Venezuela devido à sua inflação, de cerca de 30% em 2008, a maior da América Latina. A inflação, de modo breve, significa uma alta substancial e continuada no nível geral dos preços, concomitante com a queda do poder aquisitivo do dinheiro. Segundo a explicação liberal, num mercado em que há livre concorrência a inflação existe quando a procura supera a oferta. É a chamada inflação de demanda. Admitamos, a princípio, a validade do pressuposto, deixando momentaneamente de lado a existência dos monopólios.

Para combater a inflação, seria preciso intervir em um dos lados da balança, a fim de restabelecer o equilíbrio entre procura e oferta. Historicamente, governos alinhados ao ideário neoliberal buscaram conter a demanda, implementando a chamada política de metas de inflação, em que crescimento econômico, empregos e salários são sistematicamente sacrificados e reduzidos para domar a inflação dentro da cerca que circunda o centro da meta.

Uma alternativa a isso seria aumentar a oferta, com investimentos em infraestrutura para a ampliação da chamada capacidade instalada. Assim, seria possível atender à demanda e ainda permitir a abertura de mais vagas de emprego, criando um círculo virtuoso de crescimento econômico capaz de permitir o combate à pobreza e a promoção de justiça social. Um governo socialista, ainda que sob o capitalismo, pode ser caracterizado justamente por esses objetivos: a construção de uma sociedade sem classes, em que não exista pobreza e desigualdade. Nela, os investimentos e a produção estariam a serviço do povo para atender a suas necessidades. Diferentemente do capitalismo, sistema em que os investimentos e a produção estão a serviço da busca pelo lucro, ainda que à custa de um enorme prejuízo social.

Se um governo promove melhoria nas condições de vida de sua população, principalmente nas daquela parcela com piores condições de vida, a procura por produtos no mercado aumenta, notadamente por produtos de primeira necessidade, como comida. Porém, ao mesmo tempo em que a procura aumenta, a oferta estaciona. Os investimentos capitalistas, orientados pela busca de lucro e não pela satisfação das necessidades das pessoas, diminuem. A possibilidade de lucros exorbitantes é ameaçada, logo o capitalista não se arrisca a investir. É coerente que não o faça e esperar o contrário é por demais ingênuo. Sem contar, é claro, o boicote ou sabotagem promovidos por uma parcela do empresariado que simplesmente não admite ver seus interesses serem contrariados.

Havíamos deixado de lado até aqui a questão do monopólio. Vamos a ela. Acontece que no fim do século XIX, após um processo de concentração e centralização do capital, deu-se uma mudança importante no caráter do capitalismo, que passou da livre concorrência para o regime de monopólio, cujo objetivo não é apenas o lucro, mas o lucro máximo (uma vez que ele tem o poder de determinar o preço de mercado das mercadorias). Essa nova qualidade do sistema, que tende a acirrar suas contradições internas, desembocou na crise de 1929. E pariu o que hoje chamamos de capital financeiro (fusão do monopólio industrial e bancário, sob o controle deste último, segundo o economista Rudolf Hilferding), que se consagrou com a busca incessante por lucratividade a partir da década de 1970, passado o incêndio apagado pelo Estado. Daí por diante, deu-se o fenômeno da financeirização da economia.

Deduz-se do que foi apresentado até aqui que, para combater a inflação neste momento de crise e rumar ao socialismo, a Venezuela não tem outra saída a não ser a de estatizar ao menos os setores estratégicos de sua economia no curto e médio prazos. Apesar de todo o ataque da mídia, as nacionalizações de Hugo Chávez são absolutamente coerentes e mostram a sua real disposição de cumprir as promessas que fez, concordemos com elas ou não, situação com a qual brasileiros certamente não estão acostumados. É também oportuno lembrar que o tal capital financeiro também incorporou meios de comunicação. Ou seja, a imprensa que brada contra nacionalizações não o faz senão para salvaguardar seus próprios interesses, travestindo-os de interesses do conjunto da sociedade.

Tratar uma questão tão séria com zombarias como a presente na expressão “macarronada bolivariana”, termo cunhado em matéria do jornal Folha de S.Paulo (o mesmo que criou a “ditabranda”), não contribui para o debate. O tempo de caça aos comunistas acabou, mas isso não significa que o sonho marxista tenha seguido o mesmo destino. A questão, fosse levada a sério, teria de ser tratada de modo mais claro e objetivo. Estatização não é fim, é meio. Para quê? Para assegurar, no caso, cimento a quem quer construir seu teto e alimentos a quem deseja saciar sua fome. E tudo isso a preços justos. É democratização, e não o contrário, como insinuam alguns pretensos paladinos das liberdades individuais.

A acepção de “macarronada bolivariana”, portanto, pode ser entendida unicamente como aquela que chega ao prato de todos, sem distinção de classe, cor, orientação sexual etc. Terrível assim. Ainda que tentem embaralhar os papéis e torcer a realidade para que o exemplo não seja seguido, não podem frear as transformações que de fato vêm ocorrendo em nosso continente, cansado de promessas vãs que não enchem barriga.

* é estudante de Ciências Sociais.

Resenha - O Amor Líquido


O Amor Líquido [Ou algumas considerações acerca do amor moderno]

Por Mauro Henrique Santos *

Este é um artigo que nunca gostaria de escrever e muito menos que fosse necessária a sua indicação. Não por uma possível inutilidade, mas sim por um desejo idealista meu de que o Amor, instância para mim superior, fosse sempre imaculado e não influenciado por qualquer coisa que esteja fora dele mesmo. Mas infelizmente, neste sentido, como disse Marx:
"O modo de produção dos bens materiais de existência determina necessariamente o processo de vida social, cultural e intelectual” [1].

Sendo o amor um fenômeno social e, portanto, construído historicamente, sofre influências desse mundo que se convencionou chamar de "pós-moderno" [2] e do modo de produção neoliberal, em que o "homem sem vínculos" [3] é eleito o nosso grande herói. Esse é o cerne do pensamento de Zygmunt Bauman, um dos nossos maiores sociólogos vivos, preocupação que pode ser vista melhor no seu livro, Modernidade Líquida e, em relação ao tema deste artigo, o Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos.

O conceito de líquido é uma retomada da célebre frase de Marx: "Tudo que é sólido se desmancha no ar" [4]; em que o filósofo critica a atuação da burguesia de substituir todas as relações que eram sólidas como, por exemplo, o amor e a família, que tanto ele como seu companheiro de produção Engels, dissertariam depois [5]. Bauman estuda essas novas características modernas de conceitos líquidos, fluidos e leves que surgiram em oposição às ideologias fortes, pesadas e sólidas.

"O que todas essas características dos fluidos mostram, em linguagem simples, é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo."[6]

Outra característica deste mundo líquido é o final da crença de que podemos alcançar um Estado de perfeição no futuro, que, pensando assim, "excluem-se" os valores sociais enquanto mantêm-se os individuais, com o seguinte pensamento: "Já que um mundo próspero não é possível então para quê gastarmos nosso tempo com isso?" [7].

Mas não podemos compreender a liquidez de Bauman simplesmente relacionada ao vazio ou ao randômico, mas sim associada à leveza de Ítalo Calvino, nas Seis propostas para o próximo milênio, em que esta seria ligada à determinação e à precisão e neste enfrentamento de forças a liquidez deixa e leva marcas nesse fluir.

Neste sentido a liquidez é um sólido e o próprio autor afirma que a modernidade tem por característica o derretimento dos sólidos desde o seu princípio, mas como preparação para outros e novos sólidos. Podemos conferir que essa liquidez não está próxima do aleatório, mas sim do determinado e assim à leveza; aproximação que Bauman mesmo fez:

“Há líquidos que, centímetro cúbico por centímetro cúbico, são mais pesados que muitos sólidos, mas ainda assim tendemos a vê-los como mais leves; menos “pesados” que qualquer sólido”.[8]

Para iluminarmos mais ainda estas passagens evoco Valery que, aliás, aparece em outra citação já no início do livro: “É preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma” [9]. Em que expressa mais uma vez com clareza o exemplo da determinação precisa.

Voltando à questão do amor líquido que, neste livro, é estudado por Bauman nas suas várias possibilidades, como sendo: amor ao próximo, ao cônjuge ou nós mesmos. Na era globalizada, que a velocidade, seja de informações ou contato, é de extrema importância, tudo passa a ser encarado como mercadoria [10] e, o amor, como conceito, passa então a sofrer algumas modificações.

O homem criou ou se identificou em tribos, grupos, cidades, estados e etc., ou seja, necessita de relacionar-se, mas os relacionamentos modernos, segundo Bauman, são um dos valores mais ambivalentes; "pedimos" um relacionamento, mas ao mesmo tempo ansiamos para que seja leve.

Pelo ritmo veloz e influência da mídia não usamos frequentemente a palavra relacionamento, que soa excessivamente pesada, mas sim "conectar-se" expressão identificada com o mundo virtual onde outro modelo ilustra o mundo líquido: as redes. Sejam elas sociais ou de relacionamentos, como os conhecidos Orkut e MSN, pessoas se conectam umas às outras e conservam as suas redes, em que as conexões entre pessoas são feitas por escolhas tanto para conectar-se ou desconectar-se, tudo isso num ambiente de movimentos em que o compromisso pode fechar portas para novas conexões ou experiências. Observe o crescente número de pessoas que se proclamam de "relacionamento aberto" ou os "casais semi-separados", tudo isso para não diminuírem suas "possibilidades românticas" e também quando qualquer conexão começa a dar problema ou, às vezes, muito antes disso, a reação é, ao invés de se pensar em resolver o problema, tem-se a "vantagem" de desconectar, excluir, deletar ou simplesmente bloquear para outro momento oportuno ou um “nunca mais" que seja.

Além da velocidade e a noção de mercadoria, que juntas, tornam lícita e até mesmo justificam posições como o relacionamento aberto, em que, como numa aplicação na bolsa de valores, não titubeamos em vender uma ação quando ela está em baixa, da mesma forma, não hesitamos, segundo Bauman, de fazer o mesmo quando aparece uma nova possibilidade de "conexão" aparentemente mais lucrativa que a nossa atual. Este livro de Bauman não é uma coleção de formulas de sucesso para o amor (isso é coisa para os livros de auto-ajuda!) nem de como conservá-lo, mas ele traça um panorama definido sobre o momento único que vivemos, em que nunca houve tanta liberdade e facilidade na escolha de nossos parceiros - no sentindo de ser possível a possibilidade -, no entanto, isso nos remonta a um cenário dramático de incertezas, pois não sabemos se queremos ou não sair dessa situação [11], que é o que faz o autor não ter um prognóstico definitivo sobre o nosso rumo. Isso revela o que, Gioconda Bordon, disse, certa vez sobre o livro [12]:

"A sociedade neoliberal, pós-moderna, líquida, para usar o adjetivo escolhido pelo autor, e perfeitamente ajustado para definir a atualidade, teme o que em qualquer período da trajetória humana sempre foi vivido como uma ameaça: o desejo e o amor por outra pessoa."

Não estou generalizando ou tendo uma visão pessimista do amor, que como disse no início, e ainda continuo com essa posição, é de uma instância superior, mas uma observação muito atenta deste livro e mesmo do pensamento de Bauman, é necessária, pois o estágio atual do mundo e do amor moderno seja como negação, percepção e adesão, nos afeta.

Bom pensamento e bom ócio!

* é graduando em Letras na Universidade de São Paulo.
______________________
[1]. Karl Marx. A Ideologia Alemã. Boitempo, São Paulo, 2007.
[2]. Termo muito usado por pensadores como Jean-François Lyotard que, entre outras diz, que a era das grandes narrativas, os mitos e os grandes esquemas ou escolas de pensamento haviam chegado ao fim.
[3]. Esse é o héroi do livro de Roberto Musil, O Homem Sem Qualidades, que Bauman retoma.
[4]. Karl Marx. O Manifesto do Partido Comunista. L&PM, São Paulo, 2001. Esta frase também é o título de um bom livro de Marshal Berman que também estuda a modernidade.
[5]. Engels escreveu, por exemplo, A Origem da Família.
[6]. Zygmunt Bauman. Modernidade Líquida. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2001. Pág. 8.
[7]. Antonio Candido, num belo especial dedicado aos seus 90 anos, ano passado, abordou o assunto alertando para o perigo que marca o final dessas grandes ideologias, marca da nossa época, em que pode ser iminente que surja um discurso ufano ou mesmo "religioso-além-mundano”, com bastante força.
[8]. Modernidade Líquida. pág. 8.
[9]. Ítalo Calvino. Leveza. In Seis propostas para o próximo milênio. Companhia das Letras, São Paulo, 1990.
[10]. Karl Marx, no primeiro capítulo d’O Capital, já nos alertava para a característica burguesa de considerar tudo como uma mercadoria.
[11]. E talvez essa condição ideal nunca possa ser possível, pois Bauman diz adiante que "Todo amor é antropofágico” assim pode ser considerado como sendo um relacionamento por excelência "pesado" por mais que aspire à leveza.
[12]. Jornal Gazeta Mercantil, Caderno Fim de Semana, em 31 de julho de 2004

Artigo - O dólar


O papel do dólar como moeda de reserva internacional

Por Mariana Moura*

A crise é a mãe das possibilidades

A uma semana do encontro dos 20 países mais ricos do mundo – o chamado G-20 - o presidente do Banco Central da China, Zhou Xiaochuan, defendeu a reforma do sistema monetário internacional e propôs a substituição da moeda utilizada atualmente nas operações financeiras internacionais por uma que esteja “desconectada de interesses de um único país”.

A principal moeda utilizada em tais operações hoje é o dólar, moeda corrente dos Estados Unidos da América, e sua substituição é defendida também pelo Brasil, Índia e Rússia. Os Bric (termo cunhado pelo economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O’Neill, em 2001 e que se refere aos quatro países que estão sustentando o mundo durante a crise), possuem reservas internacionais no valor de US$ 2,8 trilhões, segundo dados da Bloomberg.

Só a China tem US$ 1,97 trilhão em reservas, uma boa parte em títulos dos EUA. Em setembro do ano passado, a nação superou o Japão como o maior credor dos Estados Unidos, e em dezembro detinha US$ 727,4 bilhões em bônus do Tesouro – em dólar. Mas, a moeda dos Estados Unidos só tem perdido valor em relação às moedas dos países que detêm as reservas. Em um mês, o de abril, o real se valorizou 11,2%, o rublo, 6,9%, e a rúpia, 6,4%, em relação ao dólar.

E, ainda, não só o uso prioritário do dólar como moeda de reserva está dando prejuízo para estes países, como sustenta uma relação de dominação que já não é mais tão aceita.

“O privilégio de fornecer a divisa de reserva do mundo, o dinheiro que os países utilizam para efetuar negócios para além das suas fronteiras, é uma fonte de poder para o país que a controla mais valiosa do que a mais poderosa força militar. Uma vez que virtualmente todo dinheiro é criado ‘a partir do ar’ por meio de entradas em contabilidades bancárias, o país que fornece a divisa de reserva do mundo tem o poder de criar dinheiro suficiente para comprar o mundo”, afirmou o historiador Steven Lesh, em recente artigo (O 'soft power' dos EUA e os bancos).

A alternativa apresentada pela china é ampliar o uso dos Direitos Especiais de Saque (DES) emitidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Criados em 1969 por proposta do presidente francês Charles De Gaulle, os DES são aceitos hoje apenas para pagamentos entre governos e instituições internacionais. A proposta é que sejam usados também em operações de comércio e financeiras, como a precificação de produtos comercializados internacionalmente (commodities), investimentos e balanços contábeis.

O problema é que o valor dos DES é controlado pelos poucos países que mandavam no Fundo. Seu preço é definido pelo euro, o yen, a libra esterlina e (novamente e fundamentalmente) pelo dólar. Mantém a dependência.

O presidente do Banco Central chinês afirma, com propriedade, que, “teoricamente, uma moeda de reserva internacional deveria ser desconectada das condições econômicas e de interesses soberanos de um único país”. De um único país não pode, mas de apenas quatro sim?

* Graduanda do 6º semestre do Curso de Relações Internacionais Belas Artes

Resenha - A Revolução Venezuelana


Um retrato honesto da Venezuela

Igor Fuser *

Na lista dos demônios da mídia empresarial, o posto número 1 pertence, disparado, a Hugo Chávez, com sua boina vermelha e língua ferina. Raramente se passa um dia sem que alguma publicação da chamada "grande imprensa" despeje regulares doses de veneno contra o presidente venezuelano, apresentado como louco, fanfarrão, ditador ou incompetente. Essa cantilena se mantém há mais dez anos. Para ser exato, desde o início de 1999, quando o antigo coronel iniciou, após sua chegada ao governo, a transformação de um dos países de estrutura social mais iníqua no planeta – mais de 50% dos habitantes na miséria, em contraste com os lucros nababescos das exportações de petróleo – em uma referência mundial para todos os que cultivam os valores da justiça e da igualdade.

O livro de Gilberto Maringoni (A Revolução Venezuelana, Editora Unesp, 2009) merece ser saudado com um antídoto perfeito contra a manipulação informativa que, na imprensa brasileira, atingiu as raias de uma lavagem cerebral. Jornalista e historiador, Maringoni fala de um tema que conhece em primeira mão. Viajou várias vezes à Venezuela e lá entrevistou quase todos os nomes que valiam a pena no tumultuado enredo político local – dos caciques da oposição conservadora, como Teodoro Petkoff, às figuras mais graduadas do regime esquerdista, entre as quais o próprio Chávez, além das mais variadas fontes na esfera acadêmica.

Com dados confiáveis em mãos, o autor desvenda o enigma oculto sob a campanha midiática anti-chavista: como é possível que um caudilho supostamente tão desastrado mantenha altíssimos índices de apoio popular durante tanto tempo? É errado reduzir, como insistem os detratores da experiência venezuelana, o prestígio de Chávez à bonança petroleira da última década. A Venezuela já viveu outros períodos de alta dos preços do petróleo, sem que a população tivesse tido acesso a mais do que umas magras migalhas do banquete. A marca da gestão chavista é algo que as primeiras gestões municipais petistas defendiam no Brasil e que, lamentavelmente, diluiu-se no lodaçal dos compromissos com as classes dominantes: a inversão das prioridades em favor das multidões oprimidas, ainda que ao preço do confronto aberto contra as elites privilegiadas.

Na Venezuela, os gastos sociais aumentaram de 8,2% do PIB, em 1998, para 13,6% em 2006. Os índices de pobreza caíram de 55,1% para 27,5%. O salário mínimo se elevou numa escala sem precedentes em qualquer outro país do chamado Terceiro Mundo e milhões de venezuelanos passaram a ter acesso a uma infinidade de benesses antes inalcançáveis – desde serviços essenciais, como assistência médica e dentária, aos ícones do consumo descartável, como telefones celulares. Nesse cenário em que a mudança passa do plano da retórica para a existência cotidiana, torna-se fácil entender porque Chávez foi vitorioso em todas as freqüentes consultas eleitorais que promoveu, com apenas uma exceção.

O grande mérito de Maringoni é que ele não se limita a salientar as conquistas do processo político venezuelano, mas também aponta, sem medo de entrar em polêmica com os defensores mais entusiastas do chavismo, os limites do festejado "socialismo do século XXI". Concretamente: após dez anos de "revolução bolivariana", o velho modelo de desenvolvimento dependente latino-americano, erigido com base na exportação de produtos primários (no caso, o petróleo), permanece inalterado. Os ganhos desse modelo, é verdade, passaram a beneficiar, pela primeira vez, a maioria da população, sobretudo depois que Chávez retirou a estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) das mãos da camarilha que a controlava, enquadrando a empresa sob o controle público. Mas o caminho ainda está no seu início: "O Estado continua ineficiente, lerdo, corrupto e avesso às interferências populares", escreve o autor.

Mesmo que seja prematuro falar em uma verdadeira revolução na Venezuela, é inegável que o governo de Chávez mudou a face política daquela sociedade e, em certa medida, de toda a América do Sul. A influência venezuelana se faz presente em todo um conjunto de países onde, pela primeira vez, o poder de Estado passa a ser exercido em benefício das maiorias. Como afirma Maringoni, referindo-se à época de ofensiva conservadora mundial pós-1989: "A Venezuela é, com todos os problemas, o país onde mais se avançou, nesse período, na contestação ao neoliberalismo e no questionamento do poder global dos Estados Unidos." Aí reside a explicação para o ódio que Chávez desperta entre os donos da mídia brasileira e internacional. Ele é, de fato, um sapo difícil de engolir.

* é jornalista, professor na Faculdade Cásper Líbero, mestre em Relações Internacionais, doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato, e ex-professor do curso de Relações Internacionais Belas Artes.

Imagem do Mês - Operação Pandemia


O pequeno documentário busca os interesses e os dados reais - para além do que é divulgado pela mídia - sobre a gripe causada pelo vírus Influenza A. vale a pena assistir: