quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Bate-papo Internacionalista

Entrevista a Max Gimenes

Em entrevista concedida por e-mail, o ex-coordenador do curso de Relações Internacionais da Belas Artes, Raimundo Ferreira de Vasconcelos e Vasconcelos, esclareceu alguns pontos obscuros de sua saída da Belas Artes.

O Diplomático preza pela transparência e nos parece justo abrir este espaço para que o principal responsável pelo nascimento e consolidação do nosso curso expresse o seu lado da história, que foi vergonhosamente abafado na ocasião.

Nesta primeira edição, o professor Raimundo, pernambucano de 49 anos, economista e educador com doutorado em sociologia (USP) e economia política (PUC-SP) e docente de MBA no Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG), nos conta a sua atual dedicação à pesquisa para recuperar o tempo em que esteve dedicado quase integralmente ao nosso curso e revela também os desafios que enfrentou para que hoje nós possamos nos orgulhar de estudar em “um dos melhores cursos de RI da capital paulista”, nas palavras do próprio.

Na segunda parte da entrevista, que faremos suspense e deixaremos para a segunda edição, a ser publicada em janeiro de 2009, traremos a versão de Raimundo acerca de sua demissão e o que ele espera para o futuro dos estudantes de RI frente a mudanças como a crise financeira global e a eleição de Barack Obama para a presidência dos EUA.

Como além de diplomáticos somos também democráticos, solicitamos por e-mail um esclarecimento sobre o ocorrido junto à Supervisão Acadêmica. A resposta, nada amistosa, não serve para elucidar o que aconteceu, mas revela a postura prepotente de quem se considera acima do bem e do mal. O que nos respondeu o supervisor acadêmico, que disse desconhecer a eleição da atual gestão do CA, também será mostrado com exclusividade na próxima edição.

***

O Diplomático – O que o senhor tem feito desde que deixou a Belas Artes?

Raimundo – Para minha grata satisfação, tenho lido bastante e pesquisado acerca da Economia Política Internacional, a fim de recuperar o “atraso” temporal, visto se tratar de atividades quase inconciliáveis com a coordenação de um curso, ainda mais com dedicação integral e exclusiva, embora com remuneração monetária parcial.

Tenho também me dedicado à elaboração de textos, proferido palestras sobre a crise global, realizado algumas consultorias acadêmicas e ministrado alguns módulos em cursos MBA.

O Diplomático – Conte-nos, por favor, os desafios enfrentados para abrir e consolidar o curso de RI na instituição em que estudamos.

Raimundo – Então senta que lá vem história...!

O primeiro desafio foi reverter a reprovação do MEC, pois o curso fora inicialmente montado por uma consultoria educacional, a qual o havia focado em Teoria da Administração e Gestão de Comércio Exterior, obtendo assim conceito D da equipe de avaliadores da Sesu/MEC.

A segunda visita dos examinadores do MEC (finais de 1999) durou dois dias e, desta feita, a implantação do curso já estava sob minha coordenação (free lancer). Tive, portanto, menos de 24h para modificar sua estrutura curricular em tempo hábil de ainda submetê-la ao crivo dos referidos examinadores, focando-a, desta feita, na Geopolítica com ênfase em três grandes áreas: Política Externa e Internacional, Integração Regional, e Direito Internacional (Público, Privado, Ambiental, Humanitário, além dos Tratados e Convenções Internacionais).

Perante essa nova proposta curricular, o então presidente da Comissão do MEC exclamou: “agora está com cara de RI... não fosse essa alteração, o curso seria reprovado pela segunda vez e em definitivo”. E, por conta do novo resultado apresentado, concederam-nos mais três meses de prazo, a fim de se fazer os demais ajustes no projeto pedagógico.

Era tudo o que eu precisava: mais prazo; iniciei então a formatar o novo projeto pedagógico, pautando-me pelos padrões de qualidade exigidos pelo MEC quanto à oferta de cursos. Eram 16 ou 17 itens ao todo só na esfera pedagógica; e, após examinados pelo MEC, foram considerados satisfatórios (no projeto anterior, elaborado pela consultoria, constavam como ora inexistente, ora insatisfatório cada um deles; parece que o maior acerto (único?) deles recaiu sobre a escolha do coordenador do curso, com o perdão da imodéstia.

É preciso sublinhar que a IES [Instituição de Ensino Superior] me disponibilizou, à época, toda sua infra-estrutura e staff, prometendo apoio pata tudo o que eu viesse a solicitar, concedendo-me inclusive liberdade para selecionar e contratar a equipe docente, a qual posso afirmar ter escolhido a dedo, apresentando ao MEC uma equipe docente para os dois primeiros semestres. Lembro-me aqui de mais uma exclamação do Prof. Dr. Henrique Altemani, o então presidente da Comissão do MEC: “o Raimundo está provando ser possível, em São Paulo, reunir uma boa equipe para lecionar Relações Internacionais”. Diga-se de passagem, a equipe docente obtivera conceito A já nessa fase de implantação do curso.

De um modo geral, a IES já possuía uma boa infra-estrutura; obtive então todo o apoio institucional para equipar a biblioteca de RI: foram adquiridos os livros-texto dos dois primeiros semestres; assinados os principais periódicos da área; adquiridos alguns vídeos em VHS. Também solicitei a cada docente contratado a entrega de um exemplar de sua dissertação e/ou tese, reforçando assim o acervo. Para resumir, o curso obteve aprovação do MEC com conceito A nessa fase de implantação (início de 1999; todavia, sua liberação pelo MEC só saiu em novembro de 2001, não havendo tempo hábil para divulgar e nem mesmo constar do edital do vestibular; daí ter iniciado somente no segundo semestre de 2002).

Ultrapassado o obstáculo da implantação, iniciava-se o da divulgação. E, nessa seara, a tradição se impunha. Como atrair a atenção para um curso novo, numa área até incipiente no Brasil – a exceção da UnB (1974), Universidade Estácio de Sá/RJ (nos anos 1980) e PUC-SP (que o iniciara em 1995) – e recém-acolhido por uma IES octogenária e de longa tradição acumulada no campo das artes. Era a pergunta que eu mesmo me fazia, à época.

Após refletir bastante, ocorreu-me a idéia de criar um slogan e, assim, surgia a bandeira brasileira ladeada pela da ONU seguidas do mote: “dialogando com o mundo”. Essa singela criação se juntou a outros dados e informações sobre o curso que resultaram num belo folder preto com letras na cor laranja, tendo ainda o mapa-múndi em relevo. É claro que no tocante ao design/tonalidades, pude contar com o talento da prata da casa, pois santo de casa também faz milagres. Procurei reunir ainda um bom conteúdo ilustrativo a ser inserido no sítio institucional. Por ora, era basicamente do que dispúnhamos em termos de material publicitário, pois apesar da promessa anteriormente aludida a divulgação na grande mídia resumia-se a anúncios esporádicos postados no fim de semana nos jornais Folha e Estadão, cujo anúncio relacionava todos os cursos da IES, finalizando com o de RI. Não que eu pretendesse jogar RI em primeiro plano, mas também não precisava ser o último (é uma questão de saber organizar...) sob o risco de não ser lido por quem se interessasse por RI. E anúncio exclusivo para RI nem pensar, mesmo sendo um curso novo, visto ser a política institucional no sentido de ou se divulga todos ou não se divulga ninguém isoladamente.

Ancorado pelo folder citado e pelo sítio institucional, além dos esporádicos anúncios em jornais, iniciamos o processo seletivo dos candidatos, os quais passei a entrevistar pessoalmente na IES após realizarem uma prova que continha redação, questões objetivas, interpretação de um texto em inglês (escolha minha; também elaborava as questões), além de um questionário sócio-econômico institucional no qual RI (e demais cursos) inseriam algumas questões acerca da área, denominada prova específica. Com o decorrer do tempo, percebi que perdíamos alguns candidatos pelo escasso ou ausente conhecimento da língua inglesa. Após essa constatação, passei a considerar o inglês como prova classificatória e não eliminatória, admitindo no curso também candidatos com inglês básico, desde que apresentasse uma boa redação.

A partir de abril de 2002, passei a representar a IES, ao proferir palestras sobre RI em várias escolas de ensino médio, atuar no plantão de dúvidas, enfim, participar ativamente das chamadas feiras de profissões, a fim de vender o nosso peixe.

Na divulgação do processo seletivo/vestibular inserida no sítio institucional, também todos os cursos eram listados, RI por último; o fato é que, finalizada a seleção, julho de 2002, RI contava com apenas 12 alunos matriculados. O pró-reitor acadêmico, à época, decidiu que ou iniciávamos mesmo assim ou não iniciaríamos nunca mais; ele estava com a razão, pois daqueles 12 “apóstolos” matriculados (havia até um traidor entre eles, o qual já mostrou suas garras logo no 3º semestre, assistido por outros traidores de última hora que quase acabaram com o curso; tive de engolir alguns sapos para salvar a lagoa...), somente 9 iniciaram o curso. Ganhamos aqui um grande aliado: a propaganda boca-a-boca que a partir de então só fez aumentar e gradativamente atrair mais alunos ao curso, tanto que a segunda turma já atraiu um público maior: 44 ingressantes matriculados, mesmo porque é relativamente mais fácil captar alunos para o primeiro semestre (2003).

Essa divulgação boca-a-boca devia-se à boa aceitação do Curso pelos alunos atuais e ingressantes, os quais muito elogiavam sua matriz curricular e seu quadro docente. Percebi então a necessidade de fornecer mais combustível para a tal publicidade, procurando atender ao interesse desse alunado.

Nesse sentido, organizei a I Semana Diplomática, em outubro de 2002, a fim de discutir a segurança internacional, convidando para tanto palestrantes ilustres como os pioneiros no estudo de RI no Brasil, como o Prof. Dr. Fernando Mourão (USP) e o Prof. Dr. Oliveiros Ferreira (USP e PUC), além do Prof. Dr. Henrique Altemani (USP e PUC), dentre outros. Do corpo diplomático compareceram o cônsul-geral de Israel, em São Paulo, e um embaixador do Itamaraty que não me recordo o nome (atualmente in memorian). Para a abertura do evento, convidei e fui atendido pelo Coral Belas Artes com 30 componentes, o qual fez uma belíssima apresentação em 5 canções e dentre elas, Rosa de Hiroshima (esta, a pedido meu). Aqui uma curiosidade: como só dispúnhamos de 9 alunos e 6 docentes, convidei alunos do curso de Administração da Belas Artes, além dos demais coordenadores de curso, a fim de preencher ao menos parte dos 148 lugares do auditório Raphael Dazzanne; pedi ainda a colaboração do maestro no sentido de que, após a apresentação, os integrantes do coral permanecessem na platéia, ampliando-a. A curiosidade está na fita VHS sobre o evento: quem a assistir perceberá cada um dos cantores sussurrar no ouvido do colega: “vamos sair de um em um para não dar na vista”, cumprindo o prometido; e não se deve culpá-los por isso, afinal o tema em debate fugia aos interesses dos mesmos. Vale sublinhar que a IES ofereceu um coquetel para recepcionar os convidados do quadro diplomático.

O quórum da platéia para a II Semana Diplomática, segundo semestre de 2003, já não era mais problema, embora não lotasse ainda o auditório; na edição do segundo semestre de 2004, atribuí a organização do evento à diretoria do nosso primeiro Centro Acadêmico de Relações Internacionais [C.A.R.I.] que, com o apoio logístico e moral tanto institucional quanto da coordenação, cumpriu muito bem o seu papel; e por me encontrar enfermo, à época, o prof. Sidney Leite me substituiu, contando ainda com o apoio dos demais membros-colegiados. Extinta a diretoria do CA, da quarta edição da Semana Diplomática em diante, a organização do evento fora por mim atribuída à Febaspjr-RI [a Empresa Júnior, hoje denominada Acesso Consultoria Internacional], que também deu conta do recado, adquirindo experiência nessa seara, pois era esse o meu objetivo com tal atribuição. Para já falar do outro evento permanente do curso, reuni as diretorias da Empresa Júnior (EJ), a então recém-eleita (2007) e a que se despedia, a fim de realizar um balanço das atividades, também presente o prof. Glauco Santos, coordenador da EJ. Minha intenção era dar uma sacudidela nos empresários juniores e dinamizar a EJ; e, em meio a críticas e sugestões, sugeri que organizassem um modelo de simulação da ONU: surgia assim o I BAMUN, organizado pela diretoria da EJ com grande competência e sucesso, superando minhas expectativas.

Outro desafio gratificante foi a criação da revista Data Venia. A intenção era que fosse impressa, mas face à alegação institucional de elevar os custos, além de sugerir a busca de um patrocinador, resolvi lançá-la on line mesmo. Após seu lançamento, ouvi críticas dando conta de que eu intentava me promover, quando de fato almejava promover o curso e, por conseguinte, a própria IES que o acolhera, até porque constituía espaço para publicação destinado à comunidade febaspiana. Data Venia sofreu uma censura institucional na edição número 11, cujo conteúdo parece ter desagradado aos mantenedores do curso. Desde a primeira edição e logo na primeira página, constava que seu conteúdo não necessariamente coincidiria com o pensamento dos mantenedores. Fomos “convidados” a alterar para: “seu conteúdo é de inteira responsabilidade dos autores que subscreverão suas respectivas matérias”.

Mais um desafio recaiu sobre a implantação do CEMPPRI. Somente na terceira tentativa encaminhada, em que, desta feita, propomos que seu encarregado realizaria de início um trabalho voluntário e ainda seria auxiliado por monitores também em caráter voluntarioso, é que logramos aprovação institucional.

Procuramos com elevada freqüência realizar eventos no início de cada semestre letivo, a fim de recepcionar calouros e veteranos. Um obstáculo que sempre se apresentava era nas visitas de palestrantes muito ilustres, e em particular do corpo diplomático, pois não conseguíamos contar com a presença da reitoria ou seu representante para prestigiar o convidado (não remunerado, é preciso dizer), ao compor a mesa, lá no auditório. Na época das pró-reitorias, o pró-reitor acadêmico geralmente comparecia, nem que fosse para cumprimentar o convidado e permanecer por alguns instantes; na visita do cônsul-geral do México em São Paulo, por exemplo, tive de ficar justificando sua ausência. No último evento dessa natureza, a professora Luisa Moura, coordenadora do CEMPPRI, conseguiu trazer o ilustre ex-ministro, Francisco Rezek; quase morri de vergonha, pois além de não contar com a presença da reitoria ou representante legal, o encarregado do Laboratório da Imagem e do Som (LIS) ainda esqueceu de enviar o responsável pelas filmagens; com certo esforço, conseguimos ao menos que o evento fosse registrado em fotos.

Creio já ter me alongado muito e finalizo a questão ratificando que o respaldo do sítio institucional, do quadro docente, da biblioteca, dos empreendimentos supramencionados e, sobretudo, da propaganda boca-a-boca do nosso alunado, além do apoio institucional via infra-estrutura e respectivos quadros técnico e administrativo cuja escassez profissional em dados momentos era de certo modo compensada pelo esforço, dedicação e uma pitada de boa vontade, tudo isso contribuiu para a consolidação deste que é, sem sobra de dúvidas, um dos melhores cursos de RI da capital paulista.

4 comentários:

  1. A entrevista ficou muito boa e mostra como o esforço de uma pessoa pode trazer beneficios que atingem milhares.

    Parabens pelo blog..pela entrevista e principalmente ao Professor Raimundo por ter lutado por este curso.

    Um grande abraço,

    Diogo

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  2. Sou a ex-presidente da gestão de 2007 da Empresa Junior RI, e fiquei muito feliz em ler essa entrevista com o Raimundo, nesta alunos poderão realizar a grande esforço feito pelo professor Raimundo todos esses anos por esse curso maravilhoso de Relações Internacionais.

    Parabens por mais um passo.
    Desejo todo sucesso ao "O Diplomático"

    Saudações Diplomáticas (em homenagem ao Raimundo)

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  3. Realmente, é possível perceber com esta primeira parte da entrevista todo o esforço do Raimundo e a importância dele para o curso de RI da BA.

    Mas o melhor ainda está por vir. Aguardem!

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  4. O Raimundo gosta mesmo de Rosa de Hiroshima, lembro que quando ele deu aula pra mim no Segundo Semestre, ele citou um trecho de Rosa de Hiroshima pra justificar a postura dos EUA frente a Coréia do Norte.

    Eu fiquei indignado, e pedi coerência, ele disse algo que não gostei, e sai bufando da classe.

    A entrevista do Raimundo está muito boa, e como o Max disse o melhor ainda está por vir.

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