sábado, 20 de agosto de 2011

Obama esse "socialista europeu"

Por Marcio Moraes do Nascimento



Quem se lembra a época das ultimas eleições presidenciais dos EUA das diversas “insinuações” feitas pelos setores do conservadorismo estadunidense em relação ao então candidato Barack Obama? Eram várias e de diversas matizes, porém, uma que me chamava bastante atenção era a “acusação” que Obama não passava de um “socialista” do tipo europeu, ou seja, algo que ficou conhecido como a socialdemocracia à partir do fim da Primeira Grande Guerra Mundial, o que para os adeptos do G.O.P.[1] era uma característica indefensável, ensandecidos gritavam nos comícios da dupla McCain e Palin a denunciar a traição de Obama aos valores que construíram a “América”. As coisas pioraram quando Obama apresentou seu programa de reforma (ou revolução para os indefectíveis republicanos) do sistema de saúde dos EUA, as acusações aumentaram e se tornaram histéricas, lógico, os ultradireitistas do Tea Party estavam à frente do escarcéu. Eminentes “cientistas políticos” (auxiliados pela Rede Fox do insuspeito Rupert Murdoch) que respondem pelo nome de Mike Huckabee e Sarah Palin, não sei se por puro devaneio, miopia política ou fundamentalismo, alegavam que Obama iria transformar a pátria dos “Founding Fathers”, nos “Estados Unidos Socialistas da América.

Mas não é que de certa forma esses fanáticos que infelizmente cada vez tem mais espaço na política dos EUA e mundial tinham sua pontinha de razão. Obama e as tradicionais formações socialistas europeias cada vez estão mais próximos, diante do atual quadro de crise sistêmica do capitalismo.

Vejamos o fenômeno que acomete os partidos europeus de denominação socialista ou trabalhista, todos sob o signo da Internacional Socialista (IS)[2] , na verdade uma internacional de partidos sociais democratas, liberais e outros que são inomináveis e abomináveis, por exemplo, o Partido Nacional Democrático (PND) do ditador egípcio Hosni Mubarack e o Agrupamento Constitucional Democrático (RCD) do ditador Ben Ali da Tunísia faziam parte dos quadros da Internacional Socialista, foram expulsos somente quando as ruas do Magreb derrubaram seus regimes nefastos, nesse caso, já notamos uma semelhança com a diplomacia de Obama e Hillary Clinton no episódio da propalada “primavera árabe”, a postura é bem parecida, não? Tiranos amigos, de repente são apeados do poder pelo povo oprimido, surpreendidos, os “incautos” do Departamento de Estado e da socialdemocracia européia, sem ter pra onde correr, passam a apoiar a deposição dos tiranos, que outrora eram tratados com grande deferência.

Agora, centramos a posição dos diversos partidos de denominação “socialista” diante da crise econômica na Europa, sobretudo Grécia, Portugal e Espanha. Esses países são ou eram dirigidos - caso de Portugal - por partidos socialistas, respectivamente o PASOK[3] (Partido Socialista Grego), o PS (Partido Socialista Português), e o PSOE (Partido Socialista Obrero Espanhol). Acometidos por grave crise econômica, a receita para debelá-la foi a mesma, ou muito semelhantes, ou seja, pacotes de austeridade fiscal, drásticos cortes nos programas sociais, precarização do emprego, as mesmas velhas políticas dos organismos da governança global (FMI, Banco Mundial, etc.) que jogaram o mundo numa crise econômica sem precedentes no pós guerras. Como Obama não é Franklin Delano Roosevelt e não tem liderança para enfrentar a ultradireita do Partido Republicano, repetiu a receita, cedendo a chantagem ou colaborando com os mesmos, assim como a ex esquerda europeia cede em relação à troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). O acordo aprovado no congresso dos Estados Unidos é um grande passo para acabar com o que sobrou do New Deal. O pacto entre Obama, o Tea Party e os lobistas de Wall Street, representa uma grande derrota para os mais pobres, vai assegurar cortes profundos na rede de proteção social estadunidense, programas como o Medicaid, o Social Security e o Medicare correm sérios riscos, assim como o Welfare State europeu. Como bem definiu o economista Joseph Stiglitz[4]:

“as más ideias cruzam facilmente as fronteiras e as noções econômicas equivocadas de ambos os lados do Atlântico se reforçaram entre si. O mesmo se aplica à estagnação que essas políticas provocam”.

É evidente que a aproximação entre as políticas do outrora partidos progressistas europeus e Obama, se dá muito mais pelo esgotamento do modelo dos partidos europeus, que ao longo dos anos já davam sinais de capitulação frente ao neoliberalismo ascendente nos anos Thatcher, Reagan e Helmut Kohl, processo esse aprofundado à partir do surgimento da malfadada Terceira Via[5] do ex primeiro ministro britânico Tony Blair e do sociólogo Anthony Giddens, um parêntese, o mesmo Giddens em impressionante artigo ao The Guardian, afirma: “Se Kadafi é sincero sobre a reforma, como penso ele é, a Líbia pode acabar como uma Noruega do Norte da África”[6] (estava bem de ideólogo o Blair). A pretensa formação demasiadamente “liberal” de Barack Obama, não passou de mera fumaça, é claro que muitos se iludiram, o mesmo que vos escreve nesse espaço, foi entusiasta da campanha de Obama, por tudo de novidade que apontava no momento, porém os limites da política estadunidense são estreitos.

Em artigo n´O Diplomatico de 24 de dezembro de 2008, apontava que era preciso estar preparado para se decepcionar com Obama, porém, infelizmente as decepções foram maiores do que supunha, entretanto, torço para que o atual mandatário da declinante super potência se reeleja, a opção representada pelos republicanos é nefasta em demasia, assim como torço para que forças verdadeiramente progressistas voltem a surgir na Europa, talvez o Bloco de Esquerda (Portugal), o Die Linke (Alemanha) e Nouveau Parti Anticapitaliste (França), no futuro possam se constituir em forças que reinvente a esquerda européia, mesmo porque a esquerdo pensamento progressista está sendo amplamente derrotado nesses três anos de crise econômica, a agenda ultraordoxa apesar de ser a responsável pela crise, continua a ser aplicada por diversos governos, como assinalou Flávio Aguiar[7]:

Quais são as propostas da esquerda? Não me refiro ao Brasil, onde elas existem, e são perfeitamente capitalistas, ainda que do tipo social-democrata, e isso é bom. No mundo, onde estão? Desconheço. Se alguém souber, me avise. O fato é que a esquerda está na UTI da história, e a direita na administração do hospital. A América do Sul é a exceção, não a regra. Os outros continentes estão à direita, não à esquerda”.


[1]Grand Old Party
[2] A atual Internacional Socialista em nada se parece com a Internacional de Karl Marx e muito menos com a II Internacional de Lenin, Gramsci e Rosa Luxemburgo, apenas retomou o nome da organização que rachou em decorrência da posição da socialdemocracia europeia em relação a Primeira Grande Guerra
[3] Não por coincidência o Primeiro Ministro Grego, Georges Papandreou é o Presidente da Internacional Socialista.
[4] Um contágio de más ideias. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18242
[5] Blair e Giddens apregoavam um tal de centro radical, do alto da minha ignorância ainda não consegui entender como o centro pode ser radical.
[6] My chat with the colonel. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2007/mar/09/comment.libya
[7] Flavio Aguiar, só falta dizer que ele é negro. Disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5151

2 comentários:

  1. estaríamos então presenciando a história executar ao mesmo tempo um "réquiem" tanto para o "socialismo europeu" (socialdemocracia) como para os eua enquanto imperialistas? tendo a crer que sim. os eua, mesmo que consigam reeleger obama, estão fadados ao declínio, o que no curto e médio prazos tende a fortalecer a ultradireita (que se alcançar o poder, embora tenda a aprofundar os problemas econômicos e sociais, conta com um discurso chauvinista emocionalmente muito mais reconfortante). já na europa, a falência da socialdemocracia é patente, do contrário não precisariam adotar como saída dos problemas o receituário neoliberal, o qual na minha opinião é descabido sob a perspectiva de qualquer analista que não tenha razões para ser mal-intencionado na análise. a inspiração, creio eu, se irradia a partir da américa latina mesmo, não concorda, marcio? ao menos por enquanto. ou seja, a esquerda não está na uti, está apenas na periferia do capitalismo global...

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  2. Interessante, parece que as palavras do autor do texto tem eco em outros veiculos de comunicação da web, deu na Carta Maior:

    "A EUTANÁSIA DO ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL


    A Espanha caminha desastrosamente para figurar nesta crise como um caso patético de rendição do Estado aos ditames dos mercados. O premiê José Luis Zapatero, a exemplo de outros líderes da social-democracia europeia, renega a origem política a apenas três meses da sua sucessão enfraquecendo-se ainda mais dentro do próprio partido e junto à opinião pública progressista. Zapatero lidera um acordo com a direita do Partido Popular para promover uma reforma constitucional a toque de caixa. A intenção é inscrever a ortodoxia fiscal na Carta espanhola, obrigando governantes a perseguir um déficit próximo a zero. Em plena desordem gerada pela crise das finanças desreguladas, renuncia-se à indução estatal quando mais que nunca ela se faz necessária. Além do mal-estar criado nas fileiras do PSOE, sindicatos rechaçaram a idéia, abraçada entusiasticamente pela direita do PP. Zapatero promove a eutanásia do Estado do bem-estar social baseado num cálculo político ingênuo. Seu governo termina espremido pelo mais elevado nível de desemprego da zona do euro. A taxa média de desocupação é de de 20%, mas salta para 45% entre os jovens. O sistema bancário verga sob dívidas privadas e ativos podres de futuro insondável. A bolha imobiliária espanhola estourou deixando um encalhe de 700 mil imóveis e mais de 20 bilhões de euros em ativos imobiliários micados nas carteiras dos bancos. Outros 30 bilhões de euros em terrenos estocados sufocam a contabilidade bancária e as caixas previdenciárias. O conjunto repercute no risco-país e se cristaliza em custos elevados para a colocação de títulos da dívida pública junto a fundos e investidores ariscos. Para ‘acalmá-los' Zapatero se propõe a tornar o arrocho fiscal algo tão importante na Constituição quanto o direito à vida e à dignidade - algo como designar o diabo para guardar a chave do céu. Que isso parta de um líder socialista apenas confirma a profundidade da colonização mental exercida pelo neoliberalismo na esquerda europeia. Não por acaso o continente representa hoje o epicentro da crise. Dificilmente sairá dela para algo melhor, a menos que a resposta venha das ruas.
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