Caro leitor,
para a difícil tarefa de escolher um tema para o meu texto de estréia no O Diplomático, resolvi adaptar a minha monografia de graduação do curso de Relações Internacionais, sob o tema: “Política Externa da Alemanha e sua agenda de segurança para a União Europeia”. Nos parágrafos iniciais, introduzirei o tema, a metodologia, a problemática e a hipótese. Em seguida, apresento minhas considerações finais.
Para mais informações sobre o tema, após o texto está disponível a apresentação à banca examinadora.
Boa leitura!
André G. F. Pinto
“Pode ser que vosso vizinho vos seja simpático, ou não. Não tendes a obrigação de ser seu amigo ou de visitá-lo. Porém viveis lado a lado, e que fazer se nem vós nem ele se dispõem a deixar o lugar a que estão habituados, para se fixar em outra cidade? Com muito maior razão, o mesmo ocorre nas relações entre os Estados... Há apenas duas possibilidades: ou a guerra (...) ou a coexistência pacífica.”
(Nikita Kruschev)
Nesta monografia, foi estudada a Política Externa da Alemanha, sob a perspectiva da União Europeia e da Segurança, pós-queda do Muro de Berlim, na perspectiva da segurança da União Europeia. Mais precisamente, este estudo foi feito por intermédio da descrição da agenda da Política Externa alemã, com foco nos aspectos da segurança.
Este trabalho é composto por três capítulos, o primeiro norteia os conceitos teóricos; o segundo contextualiza a Alemanha historicamente e traz uma breve explanação sobre a União Europeia; e, no último capítulo, são elencados alguns aspectos particulares da política externa alemã, descrevendo sua agenda, com foco na segurança.
Enquanto problema para este estudo, foram escolhidas as razões históricas vivenciadas, sobretudo, no século XX. Durante a Segunda Guerra, a posição da Alemanha foi de extremo repúdio às nações aliadas e sustentava uma postura nazista e ditatorial, com poucas alianças. Ao final da Guerra, praticamente todo o mundo, principalmente as grandes potências político-econômicas, havia tornado-se contra o Terceiro Reich, o que dificultou de grande forma a reinserção do País no contexto internacional. Posteriormente, de modo a reconquistar as demais nações, a Alemanha reunificada deveria, então, repensar totalmente suas ideologias durante a Guerra, seu comportamento perante o resto do mundo, sua política externa, sua agenda internacional, entre outros. Para desenvolver este estudo, recorremos ao método da pesquisa e descrição histórica e utilizamos como referencial teórico, os princípios da teoria neorrealista.
Em resposta a este problema, a hipótese foi a série de auxílios estrangeiros, principalmente, dos Estados Unidos, que, estrategicamente, exerceram um papel primordial para o resurgimento da Europa. Com a Guerra Fria, a Crise do Capitalismo e a ascensão do comunismo, os Estados Unidos financiaram a reconstrução da Europa, instituindo o Plano Marshall. Assim, ao decorrer dos anos, a nova Alemanha conseguiu inserir-se novamente no contexto internacional e, principalmente, no subsistema regional europeu.
O que será estudado é justamente a trajetória do desenvolvimento alemão pós-reunificação, seu atual posicionamento perante a agenda mundial e seu papel fundamental perante a União Europeia, principalmente no aspecto da Segurança.
Nie Wieder (Fonte: Dachau, 2005, autoria própria) |
A política externa alemã está pautada na continuidade e na confiabilidade e cunhada pela cooperação em parceria e pelo equilíbrio de interesses. As premissas que orientam a política externa alemã podem ser esboçadas nos axiomas “nunca mais” e “nunca isoladamente”. “Nunca mais” simboliza a renegação da política autoritarista e expansionista e o profundo ceticismo ante o poderio militar. “Nunca isoladamente” significa a firme integração na comunidade das democracias ocidentais. Os pilares que orientam a política externa são a integração da Alemanha numa Europa cada vez mais unificada e a consolidação de seus vínculos com a Organização do Tratado do Atlântico Norte. A Alemanha tem um engajamento diversificado nas organizações multilaterais de cooperação para o desenvolvimento[6].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, abordamos a agenda da política externa alemã, pautada nas questões de segurança para o País e para a União Europeia. Vimos, também, alguns pontos históricos fundamentais para o entendimento da atual estrutura – bem como conjuntura – europeia e todos os seus desdobramentos no subsistema europeu e em todo o resto do planeta.
Duas décadas posteriores ao colapso da velha ordem mundial, os Estados e os povos do mundo enfrentam novas situações, no novo mundo globalizado. Petrella comenta, acerca do atual cenário alemão e da União Europeia, tratar-se “incontestavelmente de resultados que ninguém em 1930, poderia esperar ver ou sequer imaginar[1]”. Ainda:
“a União Europeia constitui um êxito histórico considerável. Há apenas 60 anos, os países europeus saíam de uma tragédia coletiva, uma ‘guerra mundial’ que eles haviam provocado, inscrevendo-se, aliás, em uma história plurissecular de guerras civis permanentes, causadas unicamente pela busca da hegemonia sobre o continente, por parte de uma ou outra grande potência nacional, como a Inglaterra, a Alemanha, a França e a Rússia. Desde 1979, os europeus se deram um Parlamento comum, eleito por voto universal; em 1992, um mercado comum; e no ano 2001, uma moeda comum. Também não existe mais a ruptura entre a Europa do Oeste e a Europa do Leste, que dividiu em duas partes a história do continente ao longo do século XX. Hoje, a União Europeia une todos os países da Europa, na espera da adesão dos países dos Bálcãs, uma vez terminada sua reconstituição[2]”.
Como se pode observar, a Política Externa da Alemanha carrega, até os dias atuais, fortes recordações do passado beligerante do século XX. Isto, pois os conflitos e as atrocidades cometidas pelo III Reich causaram forte repúdio e medo dos demais Estados, com receio de que algo semelhante pudesse vir a ocorrer. Assim, a Alemanha – a RFA, desde os tempos anteriores à unificação e, naturalmente após 1989 – sempre fortaleceu a questão da cooperação e da defesa dos Direitos Humanos, bem como a manutenção da segurança. O reflexo deste comprometimento é notado quando os demais Estados – outrora adversários – reconheceram, não apenas o desgosto alemão pelo período do conflito, mas também os esforços para a reconstrução e integração da Europa. A citar um exemplo prático, vemos o papel desempenhado pelo primeiro chanceler federal, Konrad Adenauer, no anseio de estabelecer boas relações com os países vizinhos, especialmente a França, bem como o processo de reconciliação com Israel. Schöllgen observa: “Isso pode parecer natural, mas considerando o panorama da política alemã e da guerra na primeira metade do século XX e das constelações rígidas da Guerra Fria, foi um grande desafio[3]”.
Como vimos durante todo este estudo, a Alemanha exerceu um fulcral papel na integração europeia. Iniciada por apenas seis países, em 1951, com a CECA e, atualmente, a União Europeia conta com 27 membros e, apesar de tropeços, todos os tratados que permearam a construção e reformulação deste Bloco retratam o anseio de adaptação aos padrões e realidades do atual cenário mundial e, nele, atuar representativamente.
Como define Duroselle:
“Enquanto a autoridade estática possui meios de ação constitucionais, legais e regulamentares sobre o interior, quer dizer, sobre aquele que depende dela, ela não tem poder algum sobre o ‘estrangeiro’. Ela não pode conhecer de imediato qual será sua reação. Assim, todos os casos de relações internacionais compreendem um elemento interno, em que os meios são conhecidos, e um elemento aleatório que é a reação do estrangeiro[4]”.
Como vimos no capítulo primeiro, sob a luz da teoria realista estrutural, podemos encontrar explicações para a continuidade e para as repetições na política internacional, não descartando as possibilidades de mudança. Ainda, com o receio de pressões e a busca do reconhecimento, e a tendência pelas socialização e competição, com a Alemanha, não foi diferente. Estrategicamente, Gerhard Schröder e Angela Merkel interferiram com acuidade para que os novos países do Leste Europeu, e especialmente a vizinha Polônia, tivessem uma representação significante nos órgãos da União Europeia. Notamos, também, nas relações energéticas, com a Rússia. A Alemanha, pobre em recursos naturais, adquire da Rússia grande parte do gás, petróleo e carvão que consome, demonstrando, não somente econômica, mas o quão estratégica é a aliança.
Tal comportamento tão soberano na política externa alemã seria impensável nas condições da antiga ordem mundial, dado o grande atrelamento e dependência dos Estados Unidos. Nos dias atuais, no entanto, isto é possível. Tanto Schröder como Merkel disseram em 2002 e 2009, respectivamente, que as decisões relacionadas com “questões existenciais da nação alemã são tomadas em Berlim[5]“. Isso significa que a Alemanha há sempre de defender os seus próprios interesses, juntamente com as decisões conjuntas.
Mencionando a defesa de interesses alemães, entramos na questão da supranacionalidade. Não que este seja, necessariamente o caso da Alemanha, mas, por exemplo, a Política Europeia de Segurança e Defesa nos mostrou que não é amplamente efetiva justamente por tocar na questão da hegemonia dos Estados, uma vez que um consentimento é bastante improvável e, quando de uma importante decisão estratégica individual em detrimento ao coletivo, à estes não lhes é vantajoso abrir mão dos interesses particulares.
Assim, pode-se concluir que o desafio da política externa alemã é continuação de sua política desde a reunificação, permanecendo: os aspectos de integração, multilateral, ajudas humanitárias, defesa dos Direitos Humanos, combate à pobreza e cooperando nas organizações das quais faz parte, como a OTAN, a ONU e na própria PESD, defendendo os objetivos conjuntos. É importante frisar a coletividade, pois, dado o passado histórico da Alemanha, ela deve ser sempre bastante cuidadosa para que seus desejos de crescimento e a notória hegemonia política e econômica exercida na região não se confundam com os mesmos desejos de superioridade despertados pelo nacional-socialismo.
Podemos nos arriscar e ir mais além, no paralelo das alianças estratégicas com a política externa alemã e citar os diversos envolvimentos armados, principalmente na África e Ásia, estabelecendo a hipótese que a Alemanha – apesar do desagrado do próprio povo alemão, bem como da comunidade internacional – envolve-se, justamente para estar presente ativamente em instituições como a OTAN, fazer alianças importantes com países igualmente importantes e um dos mais importantes: não agir isoladamente, mas em conjunto. Sobre as alianças estratégicas, podemos, mais uma vez, tecer um paralelo com Duroselle, no sentido de conhecer os “vizinhos” e evitar que sejam completos estrangeiros cada um com a sua própria legislação e regras, da mesma forma que a recíproca é verdadeira, isto é, a Alemanha não pode e não deve ser vista pelos vizinhos, como desconhecida e com regras e desejos próprios e antagônicos aos dos demais.
[1] PETRELLA, Ricardo. Europa – Perspectiva e desafios. Rio de Janeiro: II Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – II CNPEPI. O Brasil no mundo que vem aí. Europa. Fundação Alexandre de Gusmão, 2007. p 115.
[2] Idem, Ibid.
[3] SCHÖLLGEN, Gregor. Alemanha – parceiro no mundo. Disponível em <http://www.tatsachen-ueber-deutschland.de/pt/politica-exterior/main-content-05/alemanha-parceiro-no-mundo.html>. Acesso em 03/11/10.
[4] DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo Império Perecerá: Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: ed. UNB, 2000. p 59.
[5] PERFIL DA ALEMANHA. Politica externa na era da globalização. Disponível em <http://www.tatsachen-ueber-deutschland.de/pt/politica-exterior/main-content-05/alemanha-parceiro-construtivo-brna-ue.html>. Acesso em 30/10/10.
[6] Idem, Elementos básicos da política externa. Disponível em <http://www.tatsachen-ueber-deutschland.de/pt/politica-exterior/indice/glossary05.html?type=1&tx_a21glossary%5Buid%5D=707&tx_a21glossary%5Bback%5D=117&cHash=e5dc7df3a0>. Acesso em 07/09/09.
Qual o motivo da Alemanha ter tomado essa política externa agressiva, militarista?
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