Por Max Gimenes
O ano de 2011 começou com o norte da África e o Oriente Médio em efervescência política e social. Desde então, as revoltas populares que explodiram em alguns países, como Tunísia e Egito, entraram para a pauta de discussões da sociedade brasileira.
A cobertura da mídia tradicional talvez tenha feito boa parte de nós enxergar essas mobilizações como luta deliberada desses povos por “liberdade” e democracia representativa. Mazelas foram trazidas à tona, e tudo como se o Ocidente tivesse acabado de descobri-las. Em paralelo, foram deixadas de canto necessidades econômicas imediatas do povo, não satisfeitas ante a opulência da elite.
Muitos ativistas de esquerda, no entanto, não ficam atrás quando o assunto é abordagem “ideológica”, aqui no sentido próximo de [Émile] Durkheim, de análise que parte da ideia à realidade, para depois tentar adaptar a última à primeira. A compreensão das transformações no mundo árabe passa necessariamente por uma análise desapaixonada do fenômeno, possível mesmo que o indivíduo tenha lado, como todos invariavelmente têm.
Este texto não tem como objetivo apresentar um estudo aprofundado e sistemático, mas apenas convidar à reflexão a respeito de uma questão não meramente semântica, mas eminentemente política. Como dizia Florestan [Fernandes], o debate terminológico não nos interessa por si mesmo, mas porque o uso das palavras traduz relações de poder e de dominação. Seria tarefa da burguesia, segundo ele, confundir os espíritos quanto ao significado de algumas palavras-chave. Ao passo que a revolucionários caberia a tarefa de desfazer tal confusão, jamais contribuir com ela.
O dicionário de política de [Norberto] Bobbio contribui com a reflexão. Poderíamos dizer que uma revolução nacional ou regional implica, ao menos a partir da Revolução Francesa, uma manifesta motivação ideológica, uma vontade de subversão total da ordem vigente em busca de algo que jamais existiu, que conduz a transformações no modelo sócio-econômico. Uma revolta, por seu turno, tem características diferentes, como o anseio vago por um regresso a princípios originários pervertidos ou insatisfações políticas e econômicas mais conjunturais, passíveis de serem parcialmente atendidas sem mudança estrutural, o que abafa o levante. No caso de Tunísia ou Egito, por exemplo, países de maioria muçulmana, o fator religioso corrobora a hipótese desse “olhar para trás” como motivação e não pode ser ignorado. Tampouco pode ser ignorada a influência das necessidades econômicas, como é evidente no episódio do rapaz que desencadeou protestos na Tunísia após atear fogo ao próprio corpo.
Expressões como “revolução cidadã”, para utilizar o exemplo do processo de democratização da sociedade em curso no Equador, escapam a esta crítica por dizerem respeito a um elemento isolado, no caso a cidadania, e trazerem “revolução” em seu sentido corrente de rápida e/ou grande transformação. O que parece descabido é falar em Revolução Árabe ou Egípcia, por exemplo. A insistência desesperada em chamar de “revolução” acontecimentos mundo afora não mostra senão a debilidade de parcela da esquerda, aparentemente incapaz de manejar instrumentos legados sem fazê-lo de forma dogmática ou afetada.
Talvez seja mais cauteloso enxergar o fenômeno como ajuste de contas do capitalismo global com os arranjos institucionais incompatíveis dessas sociedades, que impõe à livre circulação de capitais uma onerosa mediação desempenhada por ditadores parasitas, que são tolerados apenas na medida em que sua derrubada coloca em risco interesses hegemônicos.
No caso do Egito, por exemplo, em que contribui para uma autêntica revolução a banalização do termo ao ser aplicado a um processo tutelado pelo imperialismo estadunidense e que pode vir a conduzir ao governo do Estado egípcio, ainda que “laico” e “democrático” formalmente, alguém como Mohamed ElBaradei, que não surpreenderia se fizesse uma administração corrupta e pró-EUA/capital financeiro e frustrasse o conjunto da população?
O fato de chamarmos um processo de revolução não o faz mais próximo de ser efetivamente uma revolução. Ao contrário, corre-se assim o risco, a despeito da boa vontade, de torná-la ainda mais distante.
Este texto foi originalmente publicado no jornal O Kula.
Não sei quem disse, talvez o Tarik Ali, logo depois da queda do ditador egipicio que a palavra revolução estaria reaparecendo no horizonte, pois bem, concluo que a utilização indiscriminada da palavra revolução se dá justamente por certa carência da esquerda, uma crise da esquerda,que está em crise de identidade, justamente no momento em que poderia avançar.
ResponderExcluirNo caso da Tunísia tenho algumas dúvidas, por ser um país com menos peso no cenário internacional acho que pode avançar para uma "Revolução Democrática" ao menos, medidas como a adoção da lista paritária e alternada entre homens e mulheres aponta pra isso.