quinta-feira, 5 de março de 2009

Editorial


Passado o Carnaval, agora o ano começa pra valer. Aulas, pesquisas, provas, trabalhos e muita vontade de riscar as folhas novas do caderno ou do fichário. E eis que chegamos à terceira edição de O Diplomático, que, apesar do pequeno atraso, continua uma publicação mensal e presente na vida de quem busca discutir as relações internacionais.

A ofensiva de Israel em Gaza cessou, mas o que os nossos leitores consideram ser o primeiro passo para uma negociação justa de paz ainda não ocorreu. A opção mais votada na enquete do mês passado, com 39%, dizia que “Israel deve retornar à sua fronteira original, menor do que a atual e que foi expandida após conflitos anteriores, como a Guerra dos Seis Dias”. Na seqüência, com 30%, ficou a alternativa que afirmava que “Israel deve interromper, imediatamente e sem impor condições, o bloqueio à Gaza, permitindo assim a entrada de alimentos, remédios e energia”. Empatadas em terceiro lugar, com 13%, aparecem as opções de que “Israel deve reconhecer a legitimidade do Hamas e parar de tentar matar todos os seus líderes” e “O Hamas deve reconhecer a existência do Estado de Israel e, dessa forma, parar de pregar a sua destruição". Por fim, 4% optaram por “O Hamas deve interromper o lançamento de foguetes unilateralmente e sem pré-condições”.

Como prometido por O Diplomático, trazemos nesta edição a cobertura da posse do recém-eleito presidente dos EUA, Barack Obama, feita por Paulo Meirelles, que esteve lá na terra do Tio Sam e assistiu ao megaevento com os próprios olhos. O outro artigo, também escrito por alguém que andou viajando por aí nas férias para estudar de perto as RIs, é de autoria de Ramon Bonifácio, e nos traz saudáveis questionamentos acerca da globalização e da inserção e importância do nosso continente nesse famigerado processo.

A entrevista deste mês, menos bombástica que a do mês passado, mas muito rica, foi feita com o ex-professor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo Marcus Ianoni, que recentemente escreveu um artigo para o jornal Valor Econômico, dissecando sob a ótica da sociologia política a questão da elevada taxa de juros no Brasil. Aqui ele discorre sobre seu artigo e também, como não poderia deixar de ser, aborda os motivos de sua saída da Belas Artes.

Ao fim, há a imagem do mês, uma charge sobre a carnificina na faixa de Gaza, e a estréia de uma nova seção, chamada “Resenhas”. Nela, serão publicadas resenhas de filmes e livros, recém-lançados ou não, que de alguma forma possam contribuir para uma boa reflexão.

Bate-papo internacionalista

Entrevista a Max Gimenes

Em recente artigo publicado pelo jornal Valor Econômico (“A taxa de juros no Brasil: um caso de política”), o professor Marcus Ianoni, doutor em sociologia política, colocou em questão a alta taxa de juros praticada no Brasil. Aqui, ele fala mais a respeito do que chama de “sistema de captura” do Estado brasileiro e, conseqüentemente, de sua política econômica por rentistas e pelo setor financeiro.

Dizendo preferir “não comentar assuntos institucionais da Belas Artes”, ele conta também, mas bastante cautelosamente, o porquê de sua saída da instituição, o que certamente deixará saudades.

***

O Diplomático - Recentemente o senhor publicou um artigo no jornal Valor Econômico, no qual se propõe a analisar a alta taxa de juros no Brasil, atualmente a maior do mundo, sob a ótica da sociologia política, na qual o senhor é doutor, em vez de partir da perspectiva econômica convencional. É possível afirmar que a luta pela redução da taxa de juros é sobretudo política?
Ianoni - No artigo, procurei enfatizar um elemento explicativo para os juros altos no Brasil que, em geral, não é levado em conta pelos especialistas. Denominei esse elemento de “sistema de captura”, que é um elemento de natureza política. Isso não quer dizer que a única explicação para os altos juros no Brasil seja de caráter político, mas sim que a captura da política monetária dos grupos de interesse financeiro é um elemento explicativo muito importante para se entender o motivo pelo qual o Brasil tem sido um verdadeiro campeão mundial em juros reais elevados.

O Diplomático - No artigo, o senhor afirma que “a taxa de juros no Brasil é alta porque o Estado, especialmente por intermédio do Banco Central, está capturado por uma coalizão política na qual se destacam os rentistas e o setor financeiro”. Explique melhor para nós como funciona essa coalizão e de que modo ela capturou o Estado brasileiro e sua política macroeconômica.
Ianoni - Numa perspectiva sociopolítica, a coalizão que dá sustentação ao Estado, entendido enquanto “pacto de dominação”, não se reduz apenas às forças político-partidárias que compõem o presidencialismo de coalizão, que configura o sistema político-institucional de governo. A coalizão abrange também forças da sociedade civil e do mercado que dão sustentação, sob várias formas, ao pacto de dominação. Entre essas forças, destacam-se, sobretudo desde 1994, os rentistas e as finanças, que possuem grande poder de influência sobre a política macroeconômica, sobretudo, as políticas monetária, cambial e fiscal.

O Diplomático - Vivemos uma crise financeira global, de proporções ainda desconhecidas, que teve como uma de suas principais razões a falta de regulação econômica. Como regular a economia de acordo com o interesse da sociedade, em vez de deixar, como ocorre hoje, que os “regulados” interfiram nas decisões dos “reguladores” por meio de seus grupos de interesse e lobbies?
Ianoni - Isso passa por uma democratização da democracia, pela democratização do processo decisório público, para que ele não seja capturado por interesses de uma minoria plutocrática. No artigo, sugiro, por exemplo, a ampliação da composição do Conselho Monetário Nacional, hoje extremamente insulado, o que facilita a sua captura.

O Diplomático - Existe relação entre o lobby para que a regulação atenda aos interesses dos “regulados” e a corrupção de agentes públicos?
Ianoni - Lobby não é sinônimo de corrupção. O lobby é inerente às sociedade complexas, com economia de mercado, é uma expressão da organização de interesses. No entanto, grupos lobistas, articulados a agentes públicos, podem recorrer à corrupção para alcançar seus interesses.

O Diplomático - Voltando à questão do juro, é sabido que uma taxa de juros alta está intimamente ligada a outro tema espinhoso, o da dívida pública. Explique para nós essa relação e como a recém-criada CPI da Dívida pode ajudar o Estado brasileiro a se libertar dessa sangria de recursos.
Ianoni - No Brasil, parte significativa dos títulos da dívida pública estão vinculados à taxa de juros de curto prazo, cujo valor básico é estabelecido pela Selic. Sendo assim, o aumento da Selic impacta no aumento do estoque da dívida pública indexada aos juros regulados pelo COPOM, órgão do Banco Central.

O Diplomático - Nesse cenário de captura do Estado brasileiro, como ampliar a participação da sociedade civil nas decisões sobre política econômica e impedir que os grupos de interesse do setor financeiro consigam avançar na contramão e aprovar, por exemplo, a autonomia do Banco Central?
Ianoni - O Banco Central, de fato, tem autonomia operacional para implementar a meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional, com base no regime de metas de inflação. Creio que esse insulamento do Banco Central e do CMN deve ser reestruturado em duas frentes: 1) pela mudança no atual padrão de relação delegativo entre o Congresso Nacional e a autoridade monetária; 2) pela participação da sociedade civil no Conselho Monetário Nacional.

O Diplomático - Não seria possível deixar de questioná-lo sobre sua saída do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Conte-nos como se deu o processo de desligamento e o que o senhor tem feito desde que deixou a instituição.
Ianoni - Na verdade, minha opção não foi por sair especificamente da Belas Artes, foi por sair do ensino superior privado. Quero aprofundar-me na produção de pesquisa e de conhecimento e, pelas características do sistema de ensino superior no Brasil, essa função é fundamentalmente desempenhada pelo setor público. Continuo pesquisando, prestando concursos e aguardando a tramitação de meu pedido de bolsa para pós-doutoramento junto às agências públicas de fomento à pesquisa.

O Diplomático - Voltemos a uma pergunta feita ao ex-coordenador, Raimundo Vasconcelos, e ao supervisor acadêmico, Alexandre Estolano, para sabermos a resposta dessa vez pela ótica de um professor: a lógica de mercado, caracterizada por objetivar principalmente o lucro e de acordo com a qual o cliente tem sempre razão, atrapalha a autonomia dos professores e a promoção de uma educação de qualidade?Ianoni - O lucro, no ensino privado, não leva, necessariamente, à postura de dar sempre razão ao cliente. No entanto, concordo, com base no que pude observar até aqui, que essa tendência pró-consumidor tenha crescido nas práticas do ensino superior privado, o que não me parece uma boa estratégia, nem empresarialmente falando, nem para que a educação cumpra adequadamente sua função social.


O Diplomático - Quais são, em sua opinião, os pontos fortes e fracos do curso de RI da BA? Se pudesse deixar uma mensagem ao seus ex-alunos, qual seria?
Ianoni - Prefiro não comentar assuntos institucionais da BA, uma vez que já me desliguei dessa escola. Aos meus ex-alunos, diria: meus caros, valorizem o curso que vocês fazem, estabelaçam com seu curso de graduação uma relação séria, produtiva e voltada a uma visão de cidadania, de construção coletiva da sociedade nacional e internacional do século XXI!

Opinião internacionalista


Para ver o seu artigo publicado nesta seção, escreva para nós (novaordemacademica@gmail.com). Como assunto da mensagem, coloque a palavra “Opinião”.

Agenda diplomática


Este é o espaço dedicado às atividades do mês a que todos nós devemos estar atentos. Aproveitando o potencial de interação que um blog oferece, a Agenda Diplomática será um espaço sempre em construção, que cada um poderá completar por meio de comentários e/ou e-mails. Fiquem à vontade!

-> Dia 8 de março, às 10h, na Avenida Paulista: Marcha Mundial das Mulheres

Para saber mais, clique aqui.

A posse de Barack Obama

Por Paulo Roberto Franceschini Meirelles, de Washington (EUA)

20 de janeiro de 2009, com certeza será uma data memorável. Um dia após o feriado Martin Luther King Day, em que os norte-americanos relembram o ícone da defesa dos direitos civis e principalmente do movimento negro do país nos anos 1960. Ele discursou em seu palanque, aos pés do monumento de memória a Abrahan Lincoln, presidente-herói da unificação norte-americana e da libertação dos escravos, a seguinte frase: "I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character" (Eu tenho um sonho de que meus quatro filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas sim pelo conteúdo de seu caráter).

Barack Obama é muito mais do que um simples presidente, ele é um ícone da nação, e do novo momento que o mundo aguarda. Ele é o primeiro presidente negro do país, o primeiro que não vem de uma história de favores políticos e nem de nenhuma oligarquia. Obama não vem de uma família puramente norte-americana. Não há van que venda lembranças da cidade que não tenha pelo menos um ou mais itens com a face de Obama gravada. O metrô estampa a face do futuro presidente em seu bilhete comemorativo. Boa parte dos empregados está liberada de trabalhar nesse dia. 2 milhões de pessoas estão sendo esperadas para o evento (o distrito de Columbia tem apenas 593 mil habitantes). Casas estão sendo alugadas por mais de US$ 1000 o dia para pessoas que queiram assistir ao evento. Em resumo: a posse de Obama está sendo o maior evento do ano.

É chegado o fim de semana da posse! As festividades começam com um mega show aos pés do Lincoln Memorial. Além disso, o lugar escolhido foi o mesmo do discurso citado acima. O lugar ficou lotado e, a menos de uma hora antes do show, já era impossível a entrada no local. Começara o evento. Artistas se intercalavam com celebridades para poder relembrar pessoas importantes na história americana, principalmente pelos seus discursos. Foram citados muitos presidentes, que com suas ações puderam iluminar a mente de muitas das pessoas de hoje. Obama entra no palco descendo as escadarias. Uma multidão de 200 mil pessoas começa seu grito de guerra "O-BA-MA". Em seu discurso, o presidente reflete aquele preciso momento. O momento de milhares de esperanças somadas, cristalizadas em uma pessoa. Cheguei até a me perguntar. O que leva tantas pessoas assim a criar um afeto por um simples indivíduo. A resposta que obtive foi: não é indivíduo, mas sim o momento que ele representa. No dia seguinte, Barack decidiu que seria um dia de serviços à comunidade, de modo que ele e sua família foram pintar escolas e centros comunitários. Mas uma vez, discursos e pessoas cheias de esperança.

Finalmente, chega a terça-feira da posse. A cidade está “musical”, as pessoas nas ruas cantam, celebram. O clima é de paz, de compaixão entre as pessoas. Os vendedores de rua aproveitam este momento e vendem todos os tipos de quinquilharias que podem. Tem Obama estampado em algum lugar, vende. A cidade em si está um caos, as ruas estão simplesmente lotadas, as estações de metrô, fechadas pelo excesso de pessoas. Nas ruas, um formigueiro humano anda pelas redondezas do National Mall na tentativa de pelo menos ver nem que seja o telhado do Capitólio. Mesmo assim, é praticamente impossível, e a cada quarteirão, mais pessoas se juntam à fila.

Muitas expectativas, muitas esperanças, muitos sonhos e desejos. Ao mesmo tempo, uma história de realização pessoal e de força de vontade nos é apresentada. Relembra muito a eleição de Lula no Brasil em 2002 e todas as expectativas nela contidas.

Globalitarismo na América do Sul

Por Ramon Bonifácio

“Seria este movimento (globalização) de fato uma nova ordem ou seria ele meramente uma reprodução de velhas tendências?”

Este artigo pretende articular o significado da globalização econômica com a maneira que essa globalização é reproduzida no espaço sul-americano. O globalitarismo que, segundo Santos (2001), é a reprodução da globalização econômica perversa. No desenvolvimento do texto será apresentada a hipótese de que as instituições multilaterais surgem para modificar e contrabalançar o peso da balança de poder do sistema mundial,* dando maior importância às instituições presentes e atuantes na América do Sul, como Mercosul e Comunidade Andina. E, a regime de conclusão, tratar-se-á da emergência de regimes políticos de esquerda na última década em países da América do Sul, como Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Evo Morales na Bolívia e Hugo Chávez na Venezuela. Fato que, em hipótese, iria contra o paradigma neoliberal do discurso da globalização.

Novo Mapa do Mundo: a ditadura da globalização

Com a insurgência da robótica, da engenharia genética, da informatização nos processos produtivos, atrelados ao desaparecimento de fronteiras que a Internet sugere, parece que as novas bases técnicas surgem para alguns, mas estarão ao alcance de todos rapidamente. Se tomarmos como base de análise todo o espaço mundial, facilmente verificaremos que os territórios onde ocorre esta “globalização para todos” encontram-se em pontos localizados do globo.

Após a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, que criou o Mercosul, a América Meridional entrou em um novo momento nas relações internacionais. Após o período de ditaduras militares que assolaram praticamente todo o subcontinente latino-americano, nas décadas de 1960, 1970 e 1980, a abertura democrática inspirava nesses países ares de liberdade e potencial inserção desse bloco regional na condição de grupo de países desenvolvidos. Com a chegada ao poder de presidentes como Carlos Saúl Menem na Argentina, Carlos Andrés Peres na Venezuela, Alberto Fujimori no Peru e Fernando Collor de Mello no Brasil, as experiências neoliberais estender-se-iam sobre esta parcela do espaço mundial como um todo na última década do século XX.

Esses governos seguiam o modelo de desenvolvimento colocado pelo Consenso de Washington, que se pautava pela visão de um mundo harmônico, global, que compreendia a valorização do individualismo e da iniciativa privada, o mercado mundial e a transferência dos ativos nacionais para as empresas oligopólicas globais, em nome da elevação da produtividade.** Fazendo com que tanto a política interna como a externa seguissem os dogmas de desenvolvimento do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A junção dos países sul-americanos em blocos regionais, como Mercosul e Pacto Andino, tratar-se-ia então de uma tentativa de afirmação de independência com relação aos países hegemônicos ou seria a busca de uma posição mais privilegiada no ciclo de reprodução ampliada do capital, ou seja, busca de independência comum aos Estados Sul-Americanos ou adequação à realidade preexistente?
Esta exposto no artigo 1º do Tratado de Assunção, que ratifica a criação do Mercado Comum do Cone Sul, no qual se encontrava presentes representantes dos quatros Estados criadores do órgão, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai:

“Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará ‘Mercado Comum do Sul’ (MERCOSUL). Este Mercado Comum implica:
A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários, restrições não tarifárias à circulação de mercado e qualquer outra medida de efeito equivalente;
O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;
A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e
O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração."


Pressupõe-se então que os Estados envolvidos a partir desse momento articulam e promovem suas ações em comum acordo. De forma que o Mercosul tenha se tornado uma instituição política e econômica que busca a união de toda a comunidade do Cone Sul.

Ao analisarmos a atuação dos órgãos multilaterais presentes no território sul-americano, vemos que seus objetivos e o seu próprio papel no jogo das civilizações parecem bastante controversos, já que em um momento atuam na esfera comercial de forma comum com uma única política para todos os membros e em outros atuam de forma bilateral, privilegiando assim um ou outro Estado. A chegada ao poder de governos nacionalistas em pleno movimento de “quebra de fronteiras” acaba por confrontar as idéias do Pensamento Único diretamente. De tal forma que esse quadro resulta em batalha de interesses em que Estados, outrora pequenos, buscam sua posição e direito a voz nas reuniões das Nações Unidas.

Novas fronteiras estão sendo estabelecidas. A afirmação do nacionalismo resguarda a idéia recorrente de globalização, criando assim um movimento dialético no atual curso de nossa história de implosão e explosão da comunidade internacional. Dois conceitos então aparentemente contraditórios se afirmam como produtores desse processo, a fragmentação e a globalização.


*KEOHANE, Robert. After Hegemony: cooperation and discord in the world political economy. Princeton University Press, 1984.
**CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América Latina – Velhos e Novos Paradigmas. Brasília: Funag, 2001.

Imagem do mês

Por Roberta Canesso

Resenhas


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Em tempos dramáticos, a validade do apelo melodramático

Por Max Gimenes

Baseado no livro homônimo de Bernhard Schlink, o filme O leitor tem em seu elenco a ganhadora do Oscar de melhor atriz de 2009, Kate Winslet, que interpreta uma humilde cobradora de bonde que acaba por envolver-se sexualmente com um jovem (Michael, interpretado por David Kross) cerca de 20 anos mais novo. A mistura de literatura e sexo torna o caso dos dois curioso, mais próximo da inocência que do vulgar. Até que Hanna, a cobradora, some de maneira enigmática.

O longa se passa na Alemanha dos anos 1950, após a derrocada nazista. E o nazismo não passa incólume. Após o sumiço de Hanna e o longo tempo que ela e Michael passam longe um do outro, os dois se encontram em um julgamento de crimes cometidos por nazistas. Ele como estudante de direito, ela como ré. A temática do nazismo parece esgotada, mas com O leitor percebemos que sempre há espaço para uma abordagem nova, diferente.

O inusitado é a superação da forma geralmente maniqueísta ou simplista por meio da qual o tema é tratado. Aqueles que julgam ser conhecedores da verdade absoluta e inquestionável terão motivos para entrar em crise com suas certezas. Um colega de curso de Michael considera criminosos todos que deixaram de se levantar de alguma forma contra as barbaridades empreendidas pelos nazistas. A tese parece válida... mas será mesmo?

O filme levanta uma série de questões interessantes para reflexão e uma delas é justamente deixar de lado preconceitos e buscar entender as motivações que levaram uma parcela da sociedade dos países dominados pelo nazi-fascismo a apoiá-lo, ainda que tacitamente. A sugestão de que o mundo, no período da Segunda Guerra, não se dividia entre pessoas boas, de um lado, e nazistas, de outro, soa algo óbvia.

Hanna é levada a julgamento e abdica de se defender, curiosamente, o que constitui o mistério a ser revelado pelo espectador. Suspense este intimamente ligado ao porquê de ela ter de certo modo participado do regime do Füher. Já repararam como a ignorância ajuda e eleger e a manter regimes e políticos da pior espécie no poder? Às vezes parece acaso; às vezes, não. E não se trata de absolver os crimes cometidos, mas de buscar compreendê-los.

A leitura, como mostra o filme, tem poder: liberta mentes, derruba barreiras, amplia horizontes e, assim, possibilita a construção do novo – como uma sociedade de homens e mulheres livres, por exemplo. Livres não por serem definidos assim no papel, numa lei ou algo do gênero. Livres por terem sido emancipados, por poderem pensar com suas próprias cabeças. Livres da manipulação do poder, seja ele político ou econômico. O acesso ao saber, nota-se, é o melhor que se pode fazer contra as tiranias e todo o mal que delas advém.

Alguns podem classificar O leitor como melodramático, e talvez o seja mesmo, mas esse ainda parece ser um valioso instrumento para abrir olhos, tocar corações e inquietar mentes em tempos de crise econômica e descrença política. Indicado para quem busca mais que entretenimento, para quem busca uma boa reflexão – e, sobretudo, forças para lutar por dias melhores.