Entrevista a Max Gimenes
Em recente artigo publicado pelo jornal Valor Econômico (“A taxa de juros no Brasil: um caso de política”), o professor Marcus Ianoni, doutor em sociologia política, colocou em questão a alta taxa de juros praticada no Brasil. Aqui, ele fala mais a respeito do que chama de “sistema de captura” do Estado brasileiro e, conseqüentemente, de sua política econômica por rentistas e pelo setor financeiro.
Dizendo preferir “não comentar assuntos institucionais da Belas Artes”, ele conta também, mas bastante cautelosamente, o porquê de sua saída da instituição, o que certamente deixará saudades.
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O Diplomático - Recentemente o senhor publicou um artigo no jornal Valor Econômico, no qual se propõe a analisar a alta taxa de juros no Brasil, atualmente a maior do mundo, sob a ótica da sociologia política, na qual o senhor é doutor, em vez de partir da perspectiva econômica convencional. É possível afirmar que a luta pela redução da taxa de juros é sobretudo política?
Ianoni - No artigo, procurei enfatizar um elemento explicativo para os juros altos no Brasil que, em geral, não é levado em conta pelos especialistas. Denominei esse elemento de “sistema de captura”, que é um elemento de natureza política. Isso não quer dizer que a única explicação para os altos juros no Brasil seja de caráter político, mas sim que a captura da política monetária dos grupos de interesse financeiro é um elemento explicativo muito importante para se entender o motivo pelo qual o Brasil tem sido um verdadeiro campeão mundial em juros reais elevados.
O Diplomático - No artigo, o senhor afirma que “a taxa de juros no Brasil é alta porque o Estado, especialmente por intermédio do Banco Central, está capturado por uma coalizão política na qual se destacam os rentistas e o setor financeiro”. Explique melhor para nós como funciona essa coalizão e de que modo ela capturou o Estado brasileiro e sua política macroeconômica.
Ianoni - Numa perspectiva sociopolítica, a coalizão que dá sustentação ao Estado, entendido enquanto “pacto de dominação”, não se reduz apenas às forças político-partidárias que compõem o presidencialismo de coalizão, que configura o sistema político-institucional de governo. A coalizão abrange também forças da sociedade civil e do mercado que dão sustentação, sob várias formas, ao pacto de dominação. Entre essas forças, destacam-se, sobretudo desde 1994, os rentistas e as finanças, que possuem grande poder de influência sobre a política macroeconômica, sobretudo, as políticas monetária, cambial e fiscal.
O Diplomático - Vivemos uma crise financeira global, de proporções ainda desconhecidas, que teve como uma de suas principais razões a falta de regulação econômica. Como regular a economia de acordo com o interesse da sociedade, em vez de deixar, como ocorre hoje, que os “regulados” interfiram nas decisões dos “reguladores” por meio de seus grupos de interesse e lobbies?
Ianoni - Isso passa por uma democratização da democracia, pela democratização do processo decisório público, para que ele não seja capturado por interesses de uma minoria plutocrática. No artigo, sugiro, por exemplo, a ampliação da composição do Conselho Monetário Nacional, hoje extremamente insulado, o que facilita a sua captura.
O Diplomático - Existe relação entre o lobby para que a regulação atenda aos interesses dos “regulados” e a corrupção de agentes públicos?
Ianoni - Lobby não é sinônimo de corrupção. O lobby é inerente às sociedade complexas, com economia de mercado, é uma expressão da organização de interesses. No entanto, grupos lobistas, articulados a agentes públicos, podem recorrer à corrupção para alcançar seus interesses.
O Diplomático - Voltando à questão do juro, é sabido que uma taxa de juros alta está intimamente ligada a outro tema espinhoso, o da dívida pública. Explique para nós essa relação e como a recém-criada CPI da Dívida pode ajudar o Estado brasileiro a se libertar dessa sangria de recursos.
Ianoni - No Brasil, parte significativa dos títulos da dívida pública estão vinculados à taxa de juros de curto prazo, cujo valor básico é estabelecido pela Selic. Sendo assim, o aumento da Selic impacta no aumento do estoque da dívida pública indexada aos juros regulados pelo COPOM, órgão do Banco Central.
O Diplomático - Nesse cenário de captura do Estado brasileiro, como ampliar a participação da sociedade civil nas decisões sobre política econômica e impedir que os grupos de interesse do setor financeiro consigam avançar na contramão e aprovar, por exemplo, a autonomia do Banco Central?
Ianoni - O Banco Central, de fato, tem autonomia operacional para implementar a meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional, com base no regime de metas de inflação. Creio que esse insulamento do Banco Central e do CMN deve ser reestruturado em duas frentes: 1) pela mudança no atual padrão de relação delegativo entre o Congresso Nacional e a autoridade monetária; 2) pela participação da sociedade civil no Conselho Monetário Nacional.
O Diplomático - Não seria possível deixar de questioná-lo sobre sua saída do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Conte-nos como se deu o processo de desligamento e o que o senhor tem feito desde que deixou a instituição.
Ianoni - Na verdade, minha opção não foi por sair especificamente da Belas Artes, foi por sair do ensino superior privado. Quero aprofundar-me na produção de pesquisa e de conhecimento e, pelas características do sistema de ensino superior no Brasil, essa função é fundamentalmente desempenhada pelo setor público. Continuo pesquisando, prestando concursos e aguardando a tramitação de meu pedido de bolsa para pós-doutoramento junto às agências públicas de fomento à pesquisa.
O Diplomático - Voltemos a uma pergunta feita ao ex-coordenador, Raimundo Vasconcelos, e ao supervisor acadêmico, Alexandre Estolano, para sabermos a resposta dessa vez pela ótica de um professor: a lógica de mercado, caracterizada por objetivar principalmente o lucro e de acordo com a qual o cliente tem sempre razão, atrapalha a autonomia dos professores e a promoção de uma educação de qualidade?Ianoni - O lucro, no ensino privado, não leva, necessariamente, à postura de dar sempre razão ao cliente. No entanto, concordo, com base no que pude observar até aqui, que essa tendência pró-consumidor tenha crescido nas práticas do ensino superior privado, o que não me parece uma boa estratégia, nem empresarialmente falando, nem para que a educação cumpra adequadamente sua função social.
O Diplomático - Quais são, em sua opinião, os pontos fortes e fracos do curso de RI da BA? Se pudesse deixar uma mensagem ao seus ex-alunos, qual seria?
Ianoni - Prefiro não comentar assuntos institucionais da BA, uma vez que já me desliguei dessa escola. Aos meus ex-alunos, diria: meus caros, valorizem o curso que vocês fazem, estabelaçam com seu curso de graduação uma relação séria, produtiva e voltada a uma visão de cidadania, de construção coletiva da sociedade nacional e internacional do século XXI!
Bela entrevista do Prof. Ianoni, tanto no artigo do Valor Econômico como nessa entrevista ele nos revela, muito dos interesses que estão por tras da ortodoxia monetária do Banco Central brasileiro.
ResponderExcluirPessoalmente lamento a saída do Prof. Ianoni da B.A, até porque guardo afinidades ideologicas, com o Prof.
Lembro que quando disputamos pela primeira vez o Centro Acadêmico, usávamos muito dos conceitos ensinado pelo Prof. nas aulas de Teoria Política Contemporânea, o Paulo cansou de usar o conceito de "ditadura da maioria" do Tocqueville, nos debates travados com a chapa RIM.