quinta-feira, 5 de março de 2009

Globalitarismo na América do Sul

Por Ramon Bonifácio

“Seria este movimento (globalização) de fato uma nova ordem ou seria ele meramente uma reprodução de velhas tendências?”

Este artigo pretende articular o significado da globalização econômica com a maneira que essa globalização é reproduzida no espaço sul-americano. O globalitarismo que, segundo Santos (2001), é a reprodução da globalização econômica perversa. No desenvolvimento do texto será apresentada a hipótese de que as instituições multilaterais surgem para modificar e contrabalançar o peso da balança de poder do sistema mundial,* dando maior importância às instituições presentes e atuantes na América do Sul, como Mercosul e Comunidade Andina. E, a regime de conclusão, tratar-se-á da emergência de regimes políticos de esquerda na última década em países da América do Sul, como Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Evo Morales na Bolívia e Hugo Chávez na Venezuela. Fato que, em hipótese, iria contra o paradigma neoliberal do discurso da globalização.

Novo Mapa do Mundo: a ditadura da globalização

Com a insurgência da robótica, da engenharia genética, da informatização nos processos produtivos, atrelados ao desaparecimento de fronteiras que a Internet sugere, parece que as novas bases técnicas surgem para alguns, mas estarão ao alcance de todos rapidamente. Se tomarmos como base de análise todo o espaço mundial, facilmente verificaremos que os territórios onde ocorre esta “globalização para todos” encontram-se em pontos localizados do globo.

Após a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, que criou o Mercosul, a América Meridional entrou em um novo momento nas relações internacionais. Após o período de ditaduras militares que assolaram praticamente todo o subcontinente latino-americano, nas décadas de 1960, 1970 e 1980, a abertura democrática inspirava nesses países ares de liberdade e potencial inserção desse bloco regional na condição de grupo de países desenvolvidos. Com a chegada ao poder de presidentes como Carlos Saúl Menem na Argentina, Carlos Andrés Peres na Venezuela, Alberto Fujimori no Peru e Fernando Collor de Mello no Brasil, as experiências neoliberais estender-se-iam sobre esta parcela do espaço mundial como um todo na última década do século XX.

Esses governos seguiam o modelo de desenvolvimento colocado pelo Consenso de Washington, que se pautava pela visão de um mundo harmônico, global, que compreendia a valorização do individualismo e da iniciativa privada, o mercado mundial e a transferência dos ativos nacionais para as empresas oligopólicas globais, em nome da elevação da produtividade.** Fazendo com que tanto a política interna como a externa seguissem os dogmas de desenvolvimento do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A junção dos países sul-americanos em blocos regionais, como Mercosul e Pacto Andino, tratar-se-ia então de uma tentativa de afirmação de independência com relação aos países hegemônicos ou seria a busca de uma posição mais privilegiada no ciclo de reprodução ampliada do capital, ou seja, busca de independência comum aos Estados Sul-Americanos ou adequação à realidade preexistente?
Esta exposto no artigo 1º do Tratado de Assunção, que ratifica a criação do Mercado Comum do Cone Sul, no qual se encontrava presentes representantes dos quatros Estados criadores do órgão, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai:

“Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará ‘Mercado Comum do Sul’ (MERCOSUL). Este Mercado Comum implica:
A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários, restrições não tarifárias à circulação de mercado e qualquer outra medida de efeito equivalente;
O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;
A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e
O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração."


Pressupõe-se então que os Estados envolvidos a partir desse momento articulam e promovem suas ações em comum acordo. De forma que o Mercosul tenha se tornado uma instituição política e econômica que busca a união de toda a comunidade do Cone Sul.

Ao analisarmos a atuação dos órgãos multilaterais presentes no território sul-americano, vemos que seus objetivos e o seu próprio papel no jogo das civilizações parecem bastante controversos, já que em um momento atuam na esfera comercial de forma comum com uma única política para todos os membros e em outros atuam de forma bilateral, privilegiando assim um ou outro Estado. A chegada ao poder de governos nacionalistas em pleno movimento de “quebra de fronteiras” acaba por confrontar as idéias do Pensamento Único diretamente. De tal forma que esse quadro resulta em batalha de interesses em que Estados, outrora pequenos, buscam sua posição e direito a voz nas reuniões das Nações Unidas.

Novas fronteiras estão sendo estabelecidas. A afirmação do nacionalismo resguarda a idéia recorrente de globalização, criando assim um movimento dialético no atual curso de nossa história de implosão e explosão da comunidade internacional. Dois conceitos então aparentemente contraditórios se afirmam como produtores desse processo, a fragmentação e a globalização.


*KEOHANE, Robert. After Hegemony: cooperation and discord in the world political economy. Princeton University Press, 1984.
**CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América Latina – Velhos e Novos Paradigmas. Brasília: Funag, 2001.

2 comentários:

  1. Fico muito feliz em ler um texto com tamanha qualidade, levantando questões interessantes e sobretudo tratando o tema com viés crítico.

    Muito bom mesmo, parabéns Ramon

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