domingo, 21 de agosto de 2011

Os dois lados da moeda

Por Paulo Roberto Meirelles



Na recente edição (Ed.7 – Ano XX) da revista internacionalmente conhecida como referência do mercado financeiro “Bloomberg Markets”, duas matérias antagônicas ocuparam a mesma edição. De um lado, se comenta o sufoco pelo qual a economia norte-americana se encontra. Com falta de dinheiro, o governo conseguiu a duras penas aumentar o valor máximo para emissão de novos títulos, podendo assim captar novos recursos para serem utilizados para o rescaldo da situação na qual a maior economia se encontra. O período “quasi-calote” por parte do governo fez com que os mercados se comportassem de modo a se ter cautela com o futuro incerto que se abre. Enquanto o debate entre redução de custos x aumento de impostos se impõe no cenário político, um possível aumento do limite da dívida ainda sim demonstraria os períodos de dúvida que a economia passa. No cenário europeu, o recente pacote de austeridade implantado serve apenas de panos quentes na situação que se impõe no bloco econômico, com os receios de uma nova crise econômica na Itália.

A mesma revista que demonstra toda sua preocupação e opiniões ora confiantes, ora desacreditadas de uma recuperação ao longo prazo, enaltece executivos de empresas de países emergentes e utiliza 8 páginas para descrever o modo pelo qual os clubes de investimento crescem diariamente atraindo as atenções do mundo inteiro. Esse “momento brasileiro” que tomou conta do cenário econômico. A intensa migração de estrangeiros bem capacitados para ocupar vagas em setores com falta de mão de obra criou um novo período em universidades pelo mundo. Aulas e estudos sobre o Brasil, bem como aulas de português, até então relegadas a poucos alunos vêm cada vez mais o interesse pelas cadeiras dentro desses estudos.

Consonante à volatilidade do mercado, o Brasil cresce. Em dias em que uma única empresa teve o mesmo valor de mercado que um conjunto de bancos europeus, tivemos um aumento na confiança que a indústria deposita em nossa economia. Isso não nos deveria impressionar. Nosso país vem passando por um extenso período de reformas que pudessem nos trazer uma estabilidade no período pós-inflação que passamos no final dos anos 80. Seria um caminho natural que, com o tempo, tais processos levassem a uma economia mais austera, e que atraísse cada vez mais atenção para si própria.

Mas a economia por si só não foi o principal vetor disso. O próprio mercado financeiro modernizou-se. As grandes empresas buscaram cada vez mais serem transparentes e aplicarem os princípios de governança corporativa, adquirindo o nível de “Novo Mercado”. Com isso, acabam ficando cada vez mais confiáveis para que o mercado de capitais aqui se torne atrativo e, como dito anteriormente, faça com que os clubes de investimento aqui se tornem cada vez mais atraentes. É o “momento brasileiro”.

Não quero chegar a nenhuma conclusão específica com essas breves linhas. Quero apenas demonstrar que, se de um lado o mundo financeiro se demonstra cada vez mais volátil, sensível a qualquer movimentação ou acontecimento das grandes potências, o Brasil vai se distanciando dessa “ressaca” que acomete os países que até então se demonstravam bem sólidos, e que tinham suas dívidas soberanas com as mais confiáveis para o mercado financeiro, a exemplo dos títulos do tesouro americano (US T’Bills), que são usados como referência no mercado global. Os lados da moeda se inverteram, e resta a nós saber utilizar essa nossa fase.

Revolta ou revolução?

Por Max Gimenes

O ano de 2011 começou com o norte da África e o Oriente Médio em efervescência política e social. Desde então, as revoltas populares que explodiram em alguns países, como Tunísia e Egito, entraram para a pauta de discussões da sociedade brasileira. 

A cobertura da mídia tradicional talvez tenha feito boa parte de nós enxergar essas mobilizações como luta deliberada desses povos por “liberdade” e democracia representativa. Mazelas foram trazidas à tona, e tudo como se o Ocidente tivesse acabado de descobri-las. Em paralelo, foram deixadas de canto necessidades econômicas imediatas do povo, não satisfeitas ante a opulência da elite. 

Muitos ativistas de esquerda, no entanto, não ficam atrás quando o assunto é abordagem “ideológica”, aqui no sentido próximo de [Émile] Durkheim, de análise que parte da ideia à realidade, para depois tentar adaptar a última à primeira. A compreensão das transformações no mundo árabe passa necessariamente por uma análise desapaixonada do fenômeno, possível mesmo que o indivíduo tenha lado, como todos invariavelmente têm. 

Este texto não tem como objetivo apresentar um estudo aprofundado e sistemático, mas apenas convidar à reflexão a respeito de uma questão não meramente semântica, mas eminentemente política. Como dizia Florestan [Fernandes], o debate terminológico não nos interessa por si mesmo, mas porque o uso das palavras traduz relações de poder e de dominação. Seria tarefa da burguesia, segundo ele, confundir os espíritos quanto ao significado de algumas palavras-chave. Ao passo que a revolucionários caberia a tarefa de desfazer tal confusão, jamais contribuir com ela. 

O dicionário de política de [Norberto] Bobbio contribui com a reflexão. Poderíamos dizer que uma revolução nacional ou regional implica, ao menos a partir da Revolução Francesa, uma manifesta motivação ideológica, uma vontade de subversão total da ordem vigente em busca de algo que jamais existiu, que conduz a transformações no modelo sócio-econômico. Uma revolta, por seu turno, tem características diferentes, como o anseio vago por um regresso a princípios originários pervertidos ou insatisfações políticas e econômicas mais conjunturais, passíveis de serem parcialmente atendidas sem mudança estrutural, o que abafa o levante. No caso de Tunísia ou Egito, por exemplo, países de maioria muçulmana, o fator religioso corrobora a hipótese desse “olhar para trás” como motivação e não pode ser ignorado. Tampouco pode ser ignorada a influência das necessidades econômicas, como é evidente no episódio do rapaz que desencadeou protestos na Tunísia após atear fogo ao próprio corpo. 

Expressões como “revolução cidadã”, para utilizar o exemplo do processo de democratização da sociedade em curso no Equador, escapam a esta crítica por dizerem respeito a um elemento isolado, no caso a cidadania, e trazerem “revolução” em seu sentido corrente de rápida e/ou grande transformação. O que parece descabido é falar em Revolução Árabe ou Egípcia, por exemplo. A insistência desesperada em chamar de “revolução” acontecimentos mundo afora não mostra senão a debilidade de parcela da esquerda, aparentemente incapaz de manejar instrumentos legados sem fazê-lo de forma dogmática ou afetada. 



Talvez seja mais cauteloso enxergar o fenômeno como ajuste de contas do capitalismo global com os arranjos institucionais incompatíveis dessas sociedades, que impõe à livre circulação de capitais uma onerosa mediação desempenhada por ditadores parasitas, que são tolerados apenas na medida em que sua derrubada coloca em risco interesses hegemônicos. 

No caso do Egito, por exemplo, em que contribui para uma autêntica revolução a banalização do termo ao ser aplicado a um processo tutelado pelo imperialismo estadunidense e que pode vir a conduzir ao governo do Estado egípcio, ainda que “laico” e “democrático” formalmente, alguém como Mohamed ElBaradei, que não surpreenderia se fizesse uma administração corrupta e pró-EUA/capital financeiro e frustrasse o conjunto da população? 

O fato de chamarmos um processo de revolução não o faz mais próximo de ser efetivamente uma revolução. Ao contrário, corre-se assim o risco, a despeito da boa vontade, de torná-la ainda mais distante. 



Este texto foi originalmente publicado no jornal O Kula

sábado, 20 de agosto de 2011

Obama esse "socialista europeu"

Por Marcio Moraes do Nascimento



Quem se lembra a época das ultimas eleições presidenciais dos EUA das diversas “insinuações” feitas pelos setores do conservadorismo estadunidense em relação ao então candidato Barack Obama? Eram várias e de diversas matizes, porém, uma que me chamava bastante atenção era a “acusação” que Obama não passava de um “socialista” do tipo europeu, ou seja, algo que ficou conhecido como a socialdemocracia à partir do fim da Primeira Grande Guerra Mundial, o que para os adeptos do G.O.P.[1] era uma característica indefensável, ensandecidos gritavam nos comícios da dupla McCain e Palin a denunciar a traição de Obama aos valores que construíram a “América”. As coisas pioraram quando Obama apresentou seu programa de reforma (ou revolução para os indefectíveis republicanos) do sistema de saúde dos EUA, as acusações aumentaram e se tornaram histéricas, lógico, os ultradireitistas do Tea Party estavam à frente do escarcéu. Eminentes “cientistas políticos” (auxiliados pela Rede Fox do insuspeito Rupert Murdoch) que respondem pelo nome de Mike Huckabee e Sarah Palin, não sei se por puro devaneio, miopia política ou fundamentalismo, alegavam que Obama iria transformar a pátria dos “Founding Fathers”, nos “Estados Unidos Socialistas da América.

Mas não é que de certa forma esses fanáticos que infelizmente cada vez tem mais espaço na política dos EUA e mundial tinham sua pontinha de razão. Obama e as tradicionais formações socialistas europeias cada vez estão mais próximos, diante do atual quadro de crise sistêmica do capitalismo.

Vejamos o fenômeno que acomete os partidos europeus de denominação socialista ou trabalhista, todos sob o signo da Internacional Socialista (IS)[2] , na verdade uma internacional de partidos sociais democratas, liberais e outros que são inomináveis e abomináveis, por exemplo, o Partido Nacional Democrático (PND) do ditador egípcio Hosni Mubarack e o Agrupamento Constitucional Democrático (RCD) do ditador Ben Ali da Tunísia faziam parte dos quadros da Internacional Socialista, foram expulsos somente quando as ruas do Magreb derrubaram seus regimes nefastos, nesse caso, já notamos uma semelhança com a diplomacia de Obama e Hillary Clinton no episódio da propalada “primavera árabe”, a postura é bem parecida, não? Tiranos amigos, de repente são apeados do poder pelo povo oprimido, surpreendidos, os “incautos” do Departamento de Estado e da socialdemocracia européia, sem ter pra onde correr, passam a apoiar a deposição dos tiranos, que outrora eram tratados com grande deferência.

Agora, centramos a posição dos diversos partidos de denominação “socialista” diante da crise econômica na Europa, sobretudo Grécia, Portugal e Espanha. Esses países são ou eram dirigidos - caso de Portugal - por partidos socialistas, respectivamente o PASOK[3] (Partido Socialista Grego), o PS (Partido Socialista Português), e o PSOE (Partido Socialista Obrero Espanhol). Acometidos por grave crise econômica, a receita para debelá-la foi a mesma, ou muito semelhantes, ou seja, pacotes de austeridade fiscal, drásticos cortes nos programas sociais, precarização do emprego, as mesmas velhas políticas dos organismos da governança global (FMI, Banco Mundial, etc.) que jogaram o mundo numa crise econômica sem precedentes no pós guerras. Como Obama não é Franklin Delano Roosevelt e não tem liderança para enfrentar a ultradireita do Partido Republicano, repetiu a receita, cedendo a chantagem ou colaborando com os mesmos, assim como a ex esquerda europeia cede em relação à troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). O acordo aprovado no congresso dos Estados Unidos é um grande passo para acabar com o que sobrou do New Deal. O pacto entre Obama, o Tea Party e os lobistas de Wall Street, representa uma grande derrota para os mais pobres, vai assegurar cortes profundos na rede de proteção social estadunidense, programas como o Medicaid, o Social Security e o Medicare correm sérios riscos, assim como o Welfare State europeu. Como bem definiu o economista Joseph Stiglitz[4]:

“as más ideias cruzam facilmente as fronteiras e as noções econômicas equivocadas de ambos os lados do Atlântico se reforçaram entre si. O mesmo se aplica à estagnação que essas políticas provocam”.

É evidente que a aproximação entre as políticas do outrora partidos progressistas europeus e Obama, se dá muito mais pelo esgotamento do modelo dos partidos europeus, que ao longo dos anos já davam sinais de capitulação frente ao neoliberalismo ascendente nos anos Thatcher, Reagan e Helmut Kohl, processo esse aprofundado à partir do surgimento da malfadada Terceira Via[5] do ex primeiro ministro britânico Tony Blair e do sociólogo Anthony Giddens, um parêntese, o mesmo Giddens em impressionante artigo ao The Guardian, afirma: “Se Kadafi é sincero sobre a reforma, como penso ele é, a Líbia pode acabar como uma Noruega do Norte da África”[6] (estava bem de ideólogo o Blair). A pretensa formação demasiadamente “liberal” de Barack Obama, não passou de mera fumaça, é claro que muitos se iludiram, o mesmo que vos escreve nesse espaço, foi entusiasta da campanha de Obama, por tudo de novidade que apontava no momento, porém os limites da política estadunidense são estreitos.

Em artigo n´O Diplomatico de 24 de dezembro de 2008, apontava que era preciso estar preparado para se decepcionar com Obama, porém, infelizmente as decepções foram maiores do que supunha, entretanto, torço para que o atual mandatário da declinante super potência se reeleja, a opção representada pelos republicanos é nefasta em demasia, assim como torço para que forças verdadeiramente progressistas voltem a surgir na Europa, talvez o Bloco de Esquerda (Portugal), o Die Linke (Alemanha) e Nouveau Parti Anticapitaliste (França), no futuro possam se constituir em forças que reinvente a esquerda européia, mesmo porque a esquerdo pensamento progressista está sendo amplamente derrotado nesses três anos de crise econômica, a agenda ultraordoxa apesar de ser a responsável pela crise, continua a ser aplicada por diversos governos, como assinalou Flávio Aguiar[7]:

Quais são as propostas da esquerda? Não me refiro ao Brasil, onde elas existem, e são perfeitamente capitalistas, ainda que do tipo social-democrata, e isso é bom. No mundo, onde estão? Desconheço. Se alguém souber, me avise. O fato é que a esquerda está na UTI da história, e a direita na administração do hospital. A América do Sul é a exceção, não a regra. Os outros continentes estão à direita, não à esquerda”.


[1]Grand Old Party
[2] A atual Internacional Socialista em nada se parece com a Internacional de Karl Marx e muito menos com a II Internacional de Lenin, Gramsci e Rosa Luxemburgo, apenas retomou o nome da organização que rachou em decorrência da posição da socialdemocracia europeia em relação a Primeira Grande Guerra
[3] Não por coincidência o Primeiro Ministro Grego, Georges Papandreou é o Presidente da Internacional Socialista.
[4] Um contágio de más ideias. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18242
[5] Blair e Giddens apregoavam um tal de centro radical, do alto da minha ignorância ainda não consegui entender como o centro pode ser radical.
[6] My chat with the colonel. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2007/mar/09/comment.libya
[7] Flavio Aguiar, só falta dizer que ele é negro. Disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5151

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Quem somos?


Somos um grupo de amigos e ex-colegas de faculdade do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Motivados por determinados assuntos, disciplinas e professores, envolvíamo-nos sempre em discussões fervorosas e de difícil opinião consensual, com vontade de analisar e compreender os problemas das relações entre as nações, bem como a projeção do Brasil sob a ótica das Relações Internacionais.

Foi com esse intuito, aliás, que muitos de nós estivemos juntos, em dezembro de 2008, na fundação de O Diplomático, que à época fazia parte das diversas iniciativas da então gestão do Centro Acadêmico de Relações Internacionais Benário Prestes: a Nova Ordem Acadêmica.

Dois anos depois, apesar da interrupção da publicação e dos diferentes rumos que cada um de nós tomou, prendidos pelo anseio comum de retomar nossas discussões e análises, decidimos unir esforços para trazer, reformulado, nosso tão importante empreendimento: sejam bem-vindos, mais uma vez, a O Diplomático.

domingo, 26 de junho de 2011

O Diplomático de volta?

Sim, o blog O Diplomático está sendo reestruturado por seus antigos editores e colaboradores para voltar ao ar em julho de 2011. Aguardem notícias e participem!