sexta-feira, 1 de maio de 2009

Nota da redação


(Não leia antes de ver o artigo “FEBEABA do Marconini” e os comentários a seu respeito)


Quando da publicação desta edição de O Diplomático, não imaginava eu que haveria tantas reações enérgicas ao artigo “FEBEABA do Marconini”. Pensei em postar simplesmente um comentário sobre a discussão, mas algumas colocações feitas dizem respeito não só à minha opinião mas também à minha atuação enquanto editor responsável por este espaço.

É difícil saber por onde começar, mas vamos lá. Explicarei como funciona o blog, em primeiro lugar, para evitar confusões:

O Diplomático é, como diz em seu cabeçalho, “uma publicação coletiva e democrática”. E há lá também a seguinte inscrição: “Blog dos alunos de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo”. Pois bem, o que isso significa? Significa que todos os alunos de RI da BA podem participar da publicação (enviando textos, participando das reuniões do Conselho Editorial etc.). Se o fazem ou não, é uma outra questão.

Aliás, acabo de me lembrar que existe um Projeto Editorial que orienta O Diplomático. Quem quiser saber mais pode solicitar uma cópia dele a qualquer um dos membros da gestão Nova Ordem Acadêmica. Este espaço é sério e o respeito a ele é uma exigência da qual não abro mão.

Como bem colocou Paulo Meirelles em seu comentário, os artigos assinados refletem a opinião do autor, e não necessariamente a opinião da BA ou do CA. O Marcio, como aluno, tem o direito de escrever o que quiser desde que isso não vá de encontro à nossa linha editorial, que preza pela tolerância e pelo respeito. Não encontro no texto em foco qualquer trecho que possa ser qualificado como desrespeitoso, vejo-o antes como um artigo crítico que se contrapõe a uma opinião divergente, ambas com razão de existir. E, como todo artigo, expressa a “opinião pessoal” de alguém, com o perdão da redundância.

Tudo isso para demonstrar que o artigo do Marcio foi publicado no lugar correto, ao contrário do que aventa o aluno Lucas Fazioli Fedele. Se foi um devaneio ou se foi expresso de forma inadequada, é outro debate, do qual tratarei mais abaixo, quando chegarmos ao mito da imparcialidade. O tempo em que havia censura em grande medida já se foi, embora alguns pareçam sentir saudades. O texto não será excluído e nenhum tipo de ingerência aqui será aceito, ao menos enquanto eu for o editor.

Se apenas foi publicada a opinião do Marcio sobre tal palestra, isso se deve ao fato de ele ter sido o único aluno a escrever e enviar um texto. Aproveito para deixar registrado que o outro artigo que seria publicado (geralmente são ao menos dois) não o foi porque quem havia ficado responsável por ele não o enviou. De quem estou falando? De um tal Filipe Matheus, por acaso o mesmo que agora aparece para comentar a postagem afirmando ser o Marconini uma personalidade “inquestionável”. Inquestionáveis não são nem mesmo os deuses, pois podemos questionar a existência ou não deles. Imagine um ser humano... Ora, por favor.

Mas a porta continua aberta, pois, ao contrário do que insinua o outro Lucas, o Parreira Lorini, não só publicamos o seu comentário inteiro neste espaço como também publicaríamos um artigo dele caso tivesse se dado ao trabalho de escrever um – interferimos apenas para fazer ajustes gramaticais e ortográficos e, como você parece escrever razoavelmente bem, não haveria tanto o que mexer. O seu questionamento sobre o espírito democrático dos que participam deste blog, no entanto, é inaceitável e demonstra total distanciamento seu em relação aos membros do CA. Como disse Voltaire (aproveitando que as citações estão em alta no fórum), “não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo”.

Enfim, sobre o papel do CA e do blog, tenho a dizer que não é nosso dever central divulgar uma boa imagem do curso, mas estimular a capacidade crítica e reflexiva de cada estudante, buscando elevar seu grau de consciência e conhecimento. Feito isso, uma boa imagem dos alunos e do curso é conseqüência. O caminho para isso não é sendo condescendente (ou, para ficar claro, “puxando o saco”) de poderosos em geral nem tampouco assumindo o papel de agência de publicidade da instituição, até porque ela já deve ter uma contratada. É preciso ir além.

Aviso: quem discorda da atual gestão pode se organizar e formar uma chapa para concorrer ao CA no fim do ano, mas não vale querer deslegitimar uma representação que, é importante lembrar, foi eleita com o apoio de cerca de 85% do corpo discente. Outro aviso: isso dá trabalho. Corre-se o risco de noites mal dormidas para levar ao ar uma publicação que depois, em minutos, pode ser achincalhada sem o menor rigor ou respeito. Ainda sim, acredito que valha a pena.

Colocado tudo isso, tratarei de outro ponto. Não assisti à palestra, mas como todos os “revoltados” espernearam sem negar que as falas preconceituosas do Marconini reproduzidas pelo Marcio são verdadeiras, me pautarei nisso para levantar alguns questionamentos. Além do que o companheiro Marcio possui uma excelente reputação, tem credibilidade no curso e é uma pessoa que goza da minha absoluta confiança. (E talvez ele veja um pouco além, Lucas, por estar no sétimo semestre... creio não ser à toa que ele ocupa a presidência do CA).

Infelizmente, não vou conseguir abordar tudo com o rigor e a minúcia que gostaria. De qualquer forma, pensemos.

Vi a existência de comentários absolutamente contraditórios. O primeiro Lucas diz que debater um artigo vai contra o seu bom-senso. Política não é futebol nem religião, meu caro, é algo racional que pode e deve ser debatido. Ele afirma que o Marcio disse asneiras e que sua visão é “obtusa”. O que pode ser mais obtuso e pobre do que dividir as opiniões políticas em certas ou erradas? Pois é isso que ele faz ao dizer ter sido “comunista convicto, até o dia em que me provaram estar errado”. Coitado.

O Diplomático não é imparcial. Causa choque a alguém essa afirmação? Pois não deveria causar a um universitário. Não existe imparcialidade nos veículos de comunicação, e os que dizem exercê-la nada mais estão fazendo do que vender a sua visão como se fosse a única possível ou verdadeira. Em jornalismo sério, fala-se de responsabilidade em relação às informações veiculadas e em honestidade de assumir seu ponto de vista de modo transparente. A atual gestão é composta majoritariamente de alunos de esquerda, e creio que isso não seja surpresa para ninguém, mas não é só. E não há sequer um extremista, tenham certeza.

Ao contrário do que disse o Lucas Parreira Lorini, a crise atual pode não ser conjuntural, mas estrutural. E será preciso escolher um modelo a seguir, que pode ser o da FIESP, de dar sobrevida a um sistema que explora muitos para assegurar o sossego de uns poucos. Projeto este que, como demonstrou a Operação Castelo de Areia da Polícia Federal, envolve muita corrupção, para manter longe do poder políticos que ousem desafiar o tal do status quo, ou seja, a ordem.

Outro projeto possível é o levado a cabo por tantos outros governos da América Latina, que têm como prioridade o povo (ausente da definição de Brasil de umdos Lucas). Venezuela e Bolívia têm analfabetismo hoje em torno de zero (segundo dados da ONU, antes que questionem). E a solução de outros problemas sociais avança. O povo passou a desempenhar algum papel, o Estado está se democratizando (muito embora a “grande mídia”, por estar a serviço de “grandes interesses”, tente demonstrar o contrário, criando um senso comum raso e falso, não permitido a alunos de RI que pretendam em algum momento da vida reivindicar a carreira de intelectual).

De fato, enquanto estudantes considerarem uma palestra em que um indivíduo diz que é preciso dar “uma cacetada” em outro povo a melhor de um evento o país não irá muito longe mesmo. (E, conhecendo o professor Sidney, sei que a atividade com Marconini foi a exceção, jamais a regra, da Semana Diplomática.)

Para mim, fica a pergunta: e se o Marcio tivesse chamado de “elefante bêbado” o Marconini? Por muito menos, Marcio foi acusado de uma série de coisas, inclusive de ser “arrogante”, justamente por alguém que em seu comentário desrespeitou outrem – no caso, Lucas Fedele foi arrogante com Marcelo, segundo a acepção que ele mesmo encontrou no dicionário para a palavra. Aliás, ele se diz contra cercear a expressão das opiniões, mas sugere a retirada do texto do Marcio do blog. Ah, e ele fala também em “nível intelectual”...

Diz que vivemos em uma sociedade livre. Ande pela sua cidade e verá que essa liberdade não é a mesma para todos, aposto que muitos gostariam de fazer RI na BA, mas ou não podem pagar os “míseros” mil reais cobrados ou tiveram uma formação tão precária que sequer sabem o que significa “relações internacionais”. É isso a liberdade para você? Pois, para mim, não é.

Corro o risco de ser acusado de ser panfletário mesmo sem citar Marx (e esse é um critério absurdo), mas não me importo. O Filipe diz lamentar o artigo do Marcio. Pois eu lamento o fato de haver entre nós aqueles que agem como o escravo que, para agradar ao seu senhor, matava outro escravo. É preciso levantarmos a cabeça e identificarmos os problemas que acometem este país, e isso não se dará com estudantes brigando entre si, ainda mais com um grupo defendendo aqueles que são responsáveis em certa medida pelo estado em que se encontra o Brasil.

Max Gimenes

PS: Se por “sequazes” do Marcio entende-se “os comunistas”, ou alguma variação disso, sinto-me pessoalmente ofendido. Chamar de “gente estragada” aqueles que lutam por um outro mundo possível e necessário, com justiça social e onde todo ser humano possa ser verdadeiramente livre, é um disparate. Ninguém precisa concordar com o texto acima, aliás é saudável que não o façam sem antes refletir criticamente, mas tenham a certeza de que ele foi escrito com responsabilidade e honestidade. E, obedecendo a regra da transparência, declaro: eis aqui um comunista, que não esconde as suas convicções atrás da máscara de uma suposta "isenção" nem distorce a realidade para melhor atendê-las.

sábado, 25 de abril de 2009

Editorial


E eis que O Diplomático chega a sua quarta edição. E com novidades! A primeira é que este talvez seja o último número da publicação editado por mim, Max Gimenes, como o foram todos os anteriores. Para quem não sabe, estou com a matrícula trancada na Belas Artes pelo fato de, desde o início do ano, estar cursando Ciências Sociais na USP. É claro que eu fiz e continuo fazendo questão de colaborar com o CA, mas é razoável que este blog seja editado por alguém que esteja efetivamente matriculado no curso.

E esse alguém já existe, é a competentíssima Mariana Nunes de Moura Souza, aluna do sétimo semestre e que por acaso também atua profissionalmente na área de comunicação. Enfim, a partir de agora a Secretária de Comunicação do Centro Acadêmico de Relações Internacionais Benário Prestes é ela! Com isso, Mariana passa a ocupar também uma das sete vagas do Conselho Editorial de O Diplomático, assim como Aline Ossani, estudante do terceiro semestre, que se tornou Secretária de Movimentos Sociais no lugar do Yuri, que há algum tempo abandonou a gestão Nova Ordem Acadêmica.

A segunda novidade é que, para que esse período de transição ocorra sem maiores problemas, O Diplomático tornou-se uma publicação bimestral. A próxima edição, de maio/junho, será já provavelmente editada pela Mariana, mulher que pode certamente levar este blog em frente com qualidade literária e espírito crítico.

A seção Bate-papo Internacionalista abaixo traz um trecho de uma entrevista com a filósofa Marilena Chaui, gentilmente liberado pela revista CULT para nossa publicação. O único artigo desta edição, casado com a seção Imagem do Mês, foi escrito pelo presidente do CA, Marcio Moraes do Nascimento, e versa sobre a opinião deste acerca da participação de Mario Marconini na Semana Diplomática, que ocorreu de 13 a 17 de abril na BA.

A parte final desta edição, Resenhas, também tem novidades: a opinião sobre dois livros foram trazidas. Aline Ossani, aluna do terceiro semestre, escreveu sobre O menino do pijama listrado, de John Boyne (Cia. da Letras, 2007), obra que aborda o nazismo e o marcante período da II Guerra Mundial. E eu escrevi sobre O Massacre, de Eric Nepomuceno (Planeta, 2007), ótima referência para quem busca entender os conflitos em torno da questão da terra no Brasil e o porquê do chamado “Abril Vermelho” promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Enfim, a última enquete perguntou aos visitantes do blog quem eles gostariam de ver dando uma Aula Magna. 39% escolheram “Paul Singer”, que foi seguido de perto por “Ceso Lafer”, apoiado por 31%, enquanto apenas 7% manifestaram-se a favor de “Cristovam Buarque” (nome aqui grafado corretamente, em vez de “Cristóvão”, como havia saído na edição anterior). Entre as outras opções, que admitiam a escolha de mais de um nome, 17% escolheram “Celso Lafer ou Paul Singer, mas não Cristovam Buarque” e 9%, “Cristovam Buarque ou Paul Singer, mas não Celso Lafer”. 1% foi indiferente, e as alternativas “Celso Lafer ou Cristovam Buarque, mas não Paul Singer” e “Nenhum” tiveram ambas 0% dos votos. Desta vez O Diplomático quer saber a sua opinião sobre o caso Cesare Battisti. Participe!

E tenham todos uma boa leitura!

O Editor

Agenda Diplomática


Este é o espaço dedicado às atividades do mês a que todos nós devemos estar atentos. Aproveitando o potencial de interação que um blog oferece, a Agenda Diplomática será um espaço sempre em construção, que cada um poderá completar por meio de comentários e/ou e-mails. Fiquem à vontade!

-> Encontro Nacional dos Estudantes de Relações Internacionais (ENERI)
De 30/4 a 3/5 na ESPM

-> III Encontro de Mulheres Estudantes
De 1º a 3 de maio em MG


Qualquer dúvida, deixe um comentário!

Bate-papo Internacionalista

Entrevista a Juvenal Savian Filho e Eduardo Socha, para a revista CULT

Refrear, neste caso, uma declaração talvez mais entusiasmada seria um gesto insensato: Marilena Chaui é, sob vários aspectos, uma das personalidades mais admiráveis do país. Pois não basta dizer que sua trajetória como educadora se confunde com a própria difusão da filosofia universitária no Brasil. Essa constatação, evidente quando se observa a formação de nossos departamentos de filosofia, deriva de apenas uma das linhas de atuação da pensadora. Sua ativa participação nas discussões sobre os rumos da educação brasileira atestam a continuidade do engajamento, que vai além dos muros universitários da FFLCH-USP, onde leciona há 40 anos. Comprovando que também é possível romper com a elitização do ensino de filosofia sem abandonar o rigor que caracteriza a verdadeira atitude filosófica, seu livro Convite à filosofia tornou-se uma introdução surpreendente ao filosofar e referência praticamente obrigatória para o ensino médio.

Em razão de sua militância no campo político-partidário - outra linha de atuação -, seu nome hoje integra o panteão dos intelectuais que forneceram as coordenadas teóricas para a consolidação da democracia em nossa história política recente. Membro fundador do PT, teve experiência no Poder Executivo como secretária de Cultura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina; experiência esta que, segundo a própria filósofa, requisitava um jogo de cintura incompatível com o princípio de autonomia da atividade intelectual, esta sim sua vocação declarada. Distante do Executivo, não deixou porém de atuar como conselheira e porta-voz dos ideais emancipatórios e democráticos dos diversos movimentos de esquerda.

Como se não bastasse, sua pesquisa acadêmica, voltada à filosofia de Espinosa e de Merleau-Ponty, marcada pela interpretação austera dos textos, pelo respeito filológico ao "espírito de letra" dos pensadores, conquistou o reconhecimento nacional e internacional. Distinções como a Ordre des Palmes Académiques, conferida pela Presidência da República francesa (1992), e os dois títulos de doutorado honoris causa, um pela Universidade de Paris 8 (2003), outro pela Universidade de Córdoba (2004), são exemplos que por si testemunham o alcance notável de sua produção.

Sim, claro, existem os críticos de seu trabalho. Mas, infelizmente, poucos merecem ser ouvidos ou lidos. Dizemos infelizmente, porque o primitivismo e a esterilidade de grande parte dessa crítica confirmam a precariedade intelectual de nossos debates, de nosso atual estado de coisas. A tais críticas, que tão logo expoem suas fissuras de raciocínio, caberia apenas o riso da indulgência não fosse o espaço midiático que ocupam, não fosse a agressividade de suas manifestações, o preconceito, o ressentimento e o desvirtuamento rasteiro; as atitudes lamentáveis que afinal determinam o modus operandi de uma parcela da direita brasileira.

Na entrega do honoris causa pela Universidade de Paris, disseram: "Para alguns, a filosofia é uma carreira universitária. Para outros, mais raros, ela é um combate. Era, certamente, o caso de Espinosa. E é também, sem dúvida, o de Marilena Chaui". Talvez isso explique a resistência e a polivalência da pensadora em um país com tantas adversidades. Talvez isso justifique também o espírito enérgico pelo qual manifesta suas convicções na educação, na política, em sua pesquisa acadêmica. Mas o segredo maior parece ser o apreço pelo tempo necessário à reflexão. Na mesma cerimônia, Claude Lefort lembrou que a eloquência e a rapidez de sua inteligência não ocultam paradoxalmente o traço que melhor caracteriza a filósofa: a paciência do pensamento.

Marilena prepara atualmente o segundo volume de A nervura do real, continuação de sua obra sobre política em Espinosa. Nesta entrevista, concedida à CULT, a filósofa fala sobre a atual crise financeira, a popularidade do governo Lula, a inclusão da filosofia no ensino médio e também sobre sua trajetória de vida.

CULT - Diante da crise, a senhora acredita que estamos vivendo um momento histórico privilegiado para a reorganização da esquerda, para a reavaliação de seu conteúdo programático, para novas formas de mobilização popular? Ou a oportunidade será absorvida pelo redemoinho ideológico do liberalismo, agora em versão "light", de caráter mais keynesiano?

Marilena Chaui - Penso que as duas possibilidades estão dadas. Considero este um momento privilegiado, pois o fim do neoliberalismo (e não do capitalismo, claro!) abre um campo de reflexões novas para a esquerda e, uma vez que as atenções da economia e das políticas governamentais se voltam novamente para a esfera da produção e do trabalho (aquilo que significativamente os economistas agora chamam de "economia real"), também se abre um campo para práticas de classe por parte dos trabalhadores, assim como se torna possível o reaparecimento de movimentos sociais dirigidos aos direitos econômicos, sociais e políticos.

Pois está colocada em questão a operação própria do neoliberalismo, qual seja, a de dirigir todos os recursos públicos para os interesses do capital, levando à privatização dos direitos sociais, ao transformá-los em serviços privados a serem adquiridos no mercado. O pensamento e a práxis se abrem porque a percepção da irracionalidade do mercado desmantela a crença em sua suposta racionalidade autônoma, crença que durante 30 anos assegurou a hegemonia ideológica do chamado "pensamento único".

Ou seja, quando se fala em "economia real" para se referir à esfera da produção, o que se anuncia é a retomada da discussão do núcleo do modo de produção capitalista, isto é, o valor produzido pelo trabalho, e havia sido justamente isso que o monetarismo neoliberal julgara ter liquidado para sempre ao supor que poderia tratar o capital como moeda e não como resultado do processo de trabalho.

Sem dúvida, a abertura do tempo histórico será um processo longo e difícil e por isso mesmo, a curto prazo, irá prevalecer a tentativa de um neoliberalismo moderado, temperado com idéias keynesianas. Porém, o simples fato de vermos os governos e partidos de direita propondo medidas de cunho social-democrata já indica os limites da tentativa de manter o capital financeiro na direção da economia. Além disso, observa-se que as medidas econômicas e políticas colocam novamente na cena a figura do Estado nacional, que o "pensamento único" e a chamada globalização haviam decretado extinto.

Em outras palavras, não é tanto a figura do Estado nacional que importa aqui e sim o fato de que com ele reaparece a figura da sociedade civil, na qual se dá a luta de classes, que o neoliberalismo também considerava extinta. Não se trata de um retorno à situação anterior ao neoliberalismo - essa é a crença da direita, ao tentar dar um jeito numa política neoliberal com pitadas social-democratas - e sim de algo novo que, como tal, suscitará um pensamento novo e uma práxis nova. Em suma, o neoliberalismo, dirigindo os fundos públicos exclusivamente para o capital, se caracterizou pelo encolhimento do espaço público republicano e democrático e pelo alargamento do espaço privado dos interesses de mercado; seu fim, portanto, pode significar a reabertura do espaço público e o encolhimento do espaço privado.

CULT - A senhora disse que o governo atual "não é o governo dos nossos sonhos, não é exatamente da esquerda", que não teria o perfil de esquerda. Considerando, portanto, essa ambiguidade ideológica que se reflete na própria agenda do governo, a senhora acredita que políticas assistencialistas, além do carisma e da identificação popular do presidente, são suficientes para explicar sua boa avaliação?

MC - Sim e não. Sim, porque num país em que o corte de classe sempre definiu os governos, isto é, em que as políticas voltadas para os direitos sociais, políticos e culturais de todos os cidadãos nunca foram desenvolvidas ou, quando o foram, nunca foram prioritárias, em que as carências da maioria da sociedade sempre foram ignoradas em nome dos privilégios da minoria, as ações deste governo instituem práticas de inclusão sem precedentes na história do Brasil e, em grande parte, são responsáveis pela avaliação positiva do governo.

Não, porque a avaliação positiva do governo perpassa todas as classes sociais, indicando que há aprovação de outras ações governamentais, além daquelas voltadas para a transferência de renda e inclusão social; há aprovação da política externa, marcada pela independência, do PAC, da maneira como o Brasil sofrerá menos que outros os efeitos da crise financeira etc.
Penso também que é preciso dar um basta à tentativa de caracterizar o governo e o presidente da República como populistas. O populismo (tal como concebido pela sociologia brasileira, já que o conceito não é homogêneo para todas as sociedades) é a política da classe dominante para exercer o controle sobre as classes populares e/ou sobre a classe média tanto por meio de concessão de benefícios pontuais quanto por meio da figura do governante como salvador e protetor.

Ora, todos esses traços estão ausentes no governo Lula: o atual presidente da República não pertence à classe dominante, não concede benefícios pontuais e sim assegura a instituição de direitos com os quais se institui uma democracia, consequentemente, a figura do governante não tem a marca da transcendência, necessária à dimensão salvífica e protetora do dirigente não democrático.

Aliás, um dos pontos mais caros à mídia, que serve como ponta de lança nos ataques dirigidos ao presidente, é exatamente sua condição de classe: um operário sem diploma universitário, que não fala várias línguas, que comete gafes em situações de etiqueta e cerimonial etc. Ou seja, a mídia entra em contradição consigo mesma quando junta populismo e presidente operário sem diploma universitário.

(...)

A íntegra da entrevista está disponível na edição de março da revista CULT.

Opinião Internacionalista + Imagem do Mês


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